Meditando com os Ícones: «A Natividade do Senhor»(Texto bíblico: Lc 2, 1-20) Introduçãoste ícone segue o esquema tradicional da representação do nascimento de Jesus Cristo, segundo a Igreja Ortodoxa, que reúne em um mesmo ícone narrações dos Evangelhos e dos Apócrifos. O ícone da Natividade é o prólogo dessa grande epopéia que é a história da Salvação. E, como no Prólogo dos poemas encontramos sintetizados os pontos destacados do que se cantará, assim, no ícone da Natividade contemplamos o conjunto dos mistérios do cristianismo: a encarnação, a morte e a ressurreição. «Este é o acontecimento pelos quais os Patriarcas suspiravam, «Deus se manifestou nascendo, Hino de Vésperas - atribuído a Anatólio A montanha, os anjos e os pastores
A montanhaA cena está enquadrada por uma montanha em forma piramidal que se estende por todo espaço visual do ícone. É a montanha messiânica tal como Isaias o profetizou: «O Monte do Senhor será erigido acima das montanhas e será mais alto que as colinas"... «Ele agitará a mão até o Monte da Filha de Sião, até a Colina de Jerusalém»... «Não se terá mais dano nem mal sobre meu monte santo, A Montanha do Senhor, resplandecente, vem ao mundo, transpassa e transcende cada colina e cada montanha, quer dizer, a altura dos Anjos e dos homens. A montanha é Cristo. Em alguns casos o monte apresenta dois cumes: as duas naturezas de Cristo, a humana e a divina. Em primeiro plano, relativo à Montanha, se faz sempre representada a Mãe de Deus. Isto vem significar que a montanha é também imagem da Virgem: «O Monte Sião que ele ama» (Sl 77,68). «É a montanha que Deus se dignou eleger para sua morada» (Sl 67; 17-4). O centro da cena é ocupado por uma plataforma onde Maria esta ajoelhada, pela gruta do nascimento na que Deus se manifesta. Nesta Montanha, o Novo Sinai, de onde Deus se revela, Deus é quem está à entrada da gruta e a humanidade, simbolizada por Maria, pode ver face a face a Deus sem cobrir o rosto, pois Deus está sob o véu da carne em Jesus Cristo. Deus se fez homem. Deus se fez visível e acessível ao homem. O contrário se passou na revelação do Sinai a Moisés: este se esconde na gruta e se cobre diante de Deus, só o pode ver a sombra, já que o homem não pode resistir ao esplendor e a beleza divina. Por isso Deus se encarna, para fazer-se acessível ao homem, e para que este O possa ver sem medo e nem ter de cobrir seu rosto. Os anjosAcima se fazem representar um grupo de anjos que cantam, contemplando o céu e a terra: «Glória a Deus nas alturas e na Terra paz aos homens que o Senhor ama». Representam a a natureza angélica que acode o evento extraordinário; um deles destacado do grupo, encontra-se falando com um ou mais pastores. Este anjo anuncia ao pastor a grande alegria da salvação e o faz estendendo a mão e fazendo o sinal da encarnação trinitária: dois dedos juntos e três tocando-se pelas pontas. Seu significado é a salvação vinda de Deus Uno e Trino, através da encarnação de Cristo. O pastor e o Anjo estão em diálogo. Com a encarnação de Jesus Cristo, o mundo divino e o humano iniciam um dialogo que nunca mais se perderá. Deus estará no meio dos homens Ele mesmo lhes falará, e cada homem poderá falar diretamente com Deus, sem intermediários. O pastorO Pastor, ou pastores, representam o povo «que caminha nas trevas e que viu uma grande luz» (Is 9,1). COm efeito, havia aparecido a luz sobre os habitantes da terra de sombras e de morte. Disse o anjo: «Anuncio-lhes uma grande alegria, lhes trago uma boa notícia, para todo o povo, pois nasceu para vós um Salvador, que é o Messias,o Senhor, na cidade de Davi. Isto tereis como sinal: encontrareis um menino envolto em panos e reclinado num presépio» (Os 10,12; Is 61,11). Aos pés do Pastor, há um menino tocando uma flauta, é antítese da música celestial e faz referencia a um hino de matinas da vigília: «interrompendo o som das flautas dos pastores, a armada celestial gritava»... A gruta, a Virgem e o MeninoA gruta
No centro do ícone se abre uma gruta que mostra as entranhas da montanha. Representa o inferno e a morte sobre as quais encontra-se Cristo, e que tentam engoli-Lo. É a mesma voracidade obscura que se fala no ícone da Ressurreição. A VirgemFora da gruta está representada a Mãe de Deus. Geralmente está recostada, algumas vezes sentada e outras, ainda, joelhada, como neste caso. Esta postura ultima denota a influência ocidental. Ela é a Rainha que está erguida à tua direita posto que ela é a Mãe do Rei, aquela que goza da divina confiança e que realizou nela maravilhas. A Virgem geralmente não olha para o menino, mas para o infinito, custodiando e refletindo em seu coração tudo aquilo que de extraordinário aconteceu com ela. (Lc 2,19) Sobre seu rosto se lê a tristeza humana de uma mãe que queria dar algo maior a seu Senhor e parece dizer: «Quando Sara trouxe ao mundo um filho, A Mãe de Deus é colocada próxima ao coração da Montanha; «representa a luz que emana da sarsa do Sinai». (S. Gregório de Nicéia, sermão 21,119) Maria estava vestida com seu manto donde as estrelas (frente a ambos os ombros) proclamam sua virgindade antes e depois do parto. Representam o sinal da santificação trabalhada nela pela Trindade para que fosse progenitora de Deus. «Virgem antes e depois do parto, «Pois Deus era Aquele de quem ela nasceu, Adora a seu Filho e Deus em atitude de serva do Senhor, disposta a fazer tudo o que o diga, assim as expressam suas mãos cruzadas no peito. O MeninoEntre a Virgem e a entrada da Gruta aparece o Menino envolto em panos colocado mais que em um presépio, em um sepulcro de forma tradicionalmente retilíneo. O Menino está envolto como numa mortalha. Evoca a figura mortuária, em concreto, a imagem de Lázaro que o presépio-sarcófago contribui para o evidenciar. «Está envolto em panos Os panos serão para os pastores sinal de reconhecimento do menino, como o serão sinal tangível da Ressurreição para as mulheres, Pedro e João ante o sepulcro vazio. (Lc 2, 13; Jo 20, 1ss) Os panos do menino são as vendas mortuárias que, depois, aparecerão espalhadas pelo sepulcro, quando ressuscitou. Este Menino é, doravante, o que vai vencer a morte com sua Ressurreição. Nascemos para morrer e ressuscitar com Ele. Já desde o princípio da Vida de Jesus, a Igreja o proclama Vencedor da Morte na representação de seu nascimento. É Ele o Sol das trevas que nos tirou dos braços da morte. [...] «Seu corpo foi como um servo, jogado nos braços da morte, «Da Virgem nasceu o Rei da Glória, «Como Jonas, no ventre da baleia,
Cristo entrou na face da morte, AnimaisNo interior da gruta, se distinguem o boi e o asno, na iconografia eslava, acrescenta-se um cavalo. Estes animais têm diversos significados: o boi representa o culto a Mitra; o asno o culto a luxúria, representação daqueles que, tendo o mistério da Encarnação de Deus diante de si, não sabem vê-lo ou não querem vê-lo, daí seu olhar inexpressível se dirigem a um ponto perdido. São também a representação das forças instintivas irracionais que emergem das profundezas da alma humana e levam ao pecado, e que Cristo abrandará através de sua vida, morte e Ressurreição. Maria representa esta natureza que, plena de Deus, se liberta de tudo o que não seja Deus mesmo, e se espiritualiza até o ponto de viver só para Ele e por Ele. O corpo de Maria é esguio , magro; o dos animais, gordo e arredondado. E, por último, representam a palavra do Profeta Isaías: «O boi conhece seu dono e o asno o presépio de seu dono; José, pastor-demônio, árvoreJosé
Na parte inferior aparece José pensativo e afastado. Diante de um homem vestido com peles e apoiado em um bastão. José personifica o drama humano: o homem ante o mistério. José se interroga frente ao mistério. José duvida do possível adultério de Maria. Demônio-pastorA literatura apócrifa atribui a José esta dúvida, e o Pastor que fala com ele, apoiado num bastão, alimenta e confirma os pensamentos de José, já que é o diabo que suscita uma tormenta de sentimentos encontrados no interior de José. O diabo, vestido com peles de cabra, o tenta sobre a virgindade de Maria, dizendo-lhe, segundo os apócrifos: «como este bastão que eu levo não pode produzir brotos, do mesmo modo, um velho como tu não pode engendrar e uma virgem não pode engravidar». Como todo tentador é insinuante, amável e sedutor, aparece o diabo sob forma tranqüila, coloquial e amistosa com José. Ele está vulnerável sobre a decisão que tem de tomar. Toda tentação nos faz vacilar, se nosso olhar não está posto em Cristo e sobre nós mesmos. A árvoreA tradição dá ao pastor o nome de Tirso. Na antiguidade pagã, tirso era um grande bastão, atributo típico de Dionísio e de seus sátiros e bacantes, entidades representativas do paganismo e do racionalismo. Junto ao pastor-demônio, há um arvoredo que brota de um tronco seco. «Um rebento brota do tronco de Jessé; um broto surge de suas raízes. Sobre ele repousará o Espírito do Senhor; por ele o Senhor resgatará o seu povo» (Is 11, 1-2) O Arvoredo representa uma resposta às palavras do pastor-demônio. «Deus não é escravo das leis que regulam a vegetação; é seu Criador e, se fez brotar a vara de Araão, muito mais, pode fazer com que uma Virgem floresça e dê frutos». (Cirilo de Jerusalém. Catequese XII, 28) Nuvem, estrela, o assombro do criado
Nuvem e estrelaNa parte superior do ícone apresenta-se uma nuvem que se retira para o céu. Os apócrifos contam que «no momento do nascimento, a nuvem que recobria a gruta se dissipou e apareceu uma grande luz que a vista não era capaz de suportar. Logo esta luz se diminuiu lentamente e apareceu o menino». Proto-evangelho de São Tiago 19, 2 A nuvem evoca a presença de Deus que pôs nas sombras seu esconderijo. (Sl 17, 12) A nuvem é de grande tradição e de grande simbolismo no Antigo Testamento, e sempre revela a presença misteriosa de Deus. A Nuvem guia o povo de Israel pelo deserto até a Terra Prometida; a nuvem revela Deus no monte Sinai; no Monte Tabor, Jesus se transfigura tornando-se resplandecente como uma nuvem; na Ascensão, a nuvem vela a visão do Ressuscitado. Da nuvem, o céu aberto faz descer um facho de luz até a terra que se divide em três raios em direção ao o menino: é a Santíssima Trindade que se manifesta como luz. Ao mesmo tempo representa a estrela. Em alguns ícones aparece dentro uma pomba do Espírito, e em outros uma cruz: Jesus nasce para morrer e ressuscitar. «O Filho de Deus é o ícone vivo e idêntico do Pai A estrela é a realização da Profecia de Isaias: «Levanta-te e resplandece, pois chegou tua luz; Assombro do criadoEstá representado pelas ovelhas ou cabras que estão diante do menino que toca flauta e olham para o alto. Eles expressam o assombro da Criação diante de tão grande mistério: Deus se fez homem. Ninguém consegue prosseguir em sua ação natural, tal é o estupor e o temor do Universo que reconhece a presença de Deus e se extasia ante a sua misericórdia. A Criação fica transtornada diante de tanta maravilha. Isto vem narrado nos apócrifos: Proto-evangelho de São Tiago 18, 1-3 e no Hino das Grandes Horas da Natividade. Os magos
Sob os Anjos, que cantam a glória, aparecem à cavalo os três reis do Oriente, guiados por uma estrela que olham e que tem a forma de cruz dourada e gloriosa; seguem Aquele que morrerá e ressuscitará e dará a toda humanidade a entrada para a vida eterna. Os magos representam os homens excluídos da Antiga Aliança que o Novo Reino Messiânico ha de incluir. Os santos, os justos, ainda que não sejam de Israel, são agradáveis a Deus, e Cristo estende sua predileção e primogenitura a todos os povos, representados pelos magos. Os magos prefiguram as mulheres miróforas que, a caminho do sepulcro se animavam dizendo: «Apreciemo-No e O adoremos como os Magos, Os magos, por sua vez, como as miróforas, se converteram em «divinas testemunhas que, ao retornar para as suas terras, anunciaram Cristo a todos». (Hino Akasthitos) de Romano Melode XII, 21. «Os Magos viram nas mãos da Virgem A tradição iconográfica transmitiu uma constante sobre os magos: a idade. Apresentam-no com semblantes: jovem, adulto e velho, representando assim as três idades do homem em uma única síntese visual. Banho, comadre-EvaComadreNa parte inferior deste ícone há duas mulheres que preparam o banho do menino. Isto é influência da iconografia helenística que tanto influenciou a Arte Cristã. Tem ainda seu desenvolvimento cristão nos Apócrifos, na verdade, no Proto-evangelho de Santiago, 19 e 20. Ali se narra como uma parteira testemunhou a maternidade divina de Maria, e Salomé certifica a Virgindade de Maria e presta a ela sua ajuda banhando o Menino. Segundo a tradição, a comadre é Eva que, junto a Salomé, se ocupa do Menino. Eva dá a vida mortal, Maria a imortal. Maria põe nas mãos de Eva a Vida Imortal: seu Filho. Neste ícone, o menino se apresenta com feição de gente maior, com entradas nos cabelos porque é desde o principio, verdadeiramente homem. O Menino Jesus do banho nas mãos de Eva, acentua sua debilidade e morte, sua humanidade. Como homem necessita de cuidados, atenções e cobre suas necessidades. É, portanto, homem, não só na aparência mas, realmente. É a síntese de todo o ícone: Jesus Cristo, Deus e Homem. BanhoA Imagem do banho ganhou um significado todo especial: a imagem do Batismo. O recipiente onde o menino é banhado tem a forma de uma pia batismal, prefiguração de sua morte e descida aos infernos. O banho é como um enterro num sepulcro líquido, o mesmo em que está imerso o Cristo no ícone da Epifania. «No Sacramento do Batismo, o ato de imergir nas águas e voltar a sair, simboliza a descida aos infernos e a saída desta morada junto com Cristo» (S. João Crisóstomo Homilia 40). «Pelo batismo morremos, Fonte: El Arca de Noé
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