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«Guarda da língua»

RB IV, 51-54

Por uma monja da Abadia de Santa Maria

(continuação)

ntes de estudarmos a guarda da língua na RB, vamos ver o que algumas regras antigas, anteriores e contemporâneas à de São Bento, dizem sobre o assunto. Todas elas fazem várias referências à guarda da língua. Veremos apenas alguns exemplos:

I. Segunda regra de São Pacômio* (1ª metade do séc. IV)

10. (Durante a refeição) ninguém reclame nem converse; se rir seja punido.

12. Se desejares alguma coisa à mesa, não fales; faze ouvir um leve ruído.

13. Ao sair do refeitório, não multipliques as palavras.

25. Nenhum dos trabalhadores fale, enquanto cortam a madeira, mas meditem e guardem silêncio.

37. Que ninguém fale, durante o silêncio da noite, com seu vizinho.

44. Que ninguém fale na padaria quando os irmãos fazem pães, mas meditem até que o trabalho esteja terminado. Se alguém tiver necessidade de alguma coisa, não fale, mas faça ouvir um leve ruído.

II. Regra de São Basílio (2ª metade do século IV).

São Bento, no cap. 73 da Regra, menciona a Regra de São Basílio: "5E também as Colações dos Padres, as Instituições e Suas Vidas, e também a Regra de nosso santo Pai Basílio, 6que outra coisa são senão instrumentos das virtudes dos monges que vivem bem e são obedientes?" (RB 73,5-6).
As Regras de São Basílio (a mais extensa e as menos extensas) fazem várias alusões à guarda da língua e ao silêncio. Veremos apenas quatro:

Da regra mais extensa

Questão 13: Utilidade da prática do silêncio pelos recém-vindos.

Resposta: É bom para os noviços também a prática do silêncio. Se dominam a língua darão simultaneamente boa prova de temperança. Com o silêncio aprenderão junto dos que sabem usar da palavra, com concisão e firmeza, como convém perguntar e responder a cada um. Há um tom de voz, uma palavra comedida, um tempo oportuno, uma propriedade no falar, peculiares e adequados aos que praticam a piedade. Não os aprende quem não tiver abandonado aquilo a que estiver acostumado. O silêncio traz consigo o esquecimento da vida anterior, em conseqüência da interrupção, e proporciona lazer para o aprendizado do bem.

Assim, a não ser por questão especial atinente ao bem de sua própria alma, ou por inevitável necessidade de um trabalho em mãos, ou por negócio urgente, guarde-se o silêncio, excetuada, é claro, a salmodia.

Questão 17 (p. 76): Importa também conter o riso.

Resposta: Digno da atenção cuidadosa dos ascetas é aquilo que muitos negligenciam. Ser dominado por um riso imoderado e imódico é sinal de intemperança, de movimentos de intranqüilidade e de que a razão severa não reprime o relaxamento do espírito. Não é inconveniente mostrar expansão da alma com um sorriso sereno apenas para indicar o que foi escrito: "O coração contente alegra o semblante" (Prov 15,13). Mas, rir-se alto e sacudir-se involuntariamente não é próprio de quem possui espírito tranqüilo, probo e senhor de si.

O Eclesiastes, reprovando essa espécie de riso, porque prejudica a firmeza do espírito, declara: "Do riso eu disse: ‘Loucura!'"(Ecl. 2,2). E: "Como o crepitar dos espinhos na caldeira, tal é o riso do insensato" (Ecl. 7,7).

O próprio Senhor sujeitou-se a quanto afeta forçosamente a carne e serve de testemunho de virtude tal o cansaço e a comiseração pelos aflitos; nunca, porém, se riu, ao menos quanto conta da história dos evangelhos. Antes chama infelizes os que se riem (Lc 6, 25).

Das regras menos extensas

Interrogação 26 (p. 143): Que merece quem fala mal de seu irmão ou escuta a um detrator e o tolera?

Resposta: Ambos sejam excluídos da companhia dos demais. "Exterminarei o que em segredo caluniar seu próximo" (Sl 100,5). E em outra passagem foi dito: "Não ouças com agrrado um falador" (Prov 20, 13) para não seres derrubado.

• Interrogação 31 (p. 145): Se não é lícito, absolutamente, rir-se.

Resposta: Como o Senhor condena os que riem agora (Lc 6, 25), é evidente não haver para o fiel tempo algum próprio ao riso, principalmente sendo tão grande a multidão dos que ofendem a Deus (Rm 2, 23), por violação da lei, e morrem no pecado; por todos eles devemos contristar-nos e gemer.

III. ORDO MONASTERII (provavelmente escrito por Alípio, discípulo e sucessor de Agostinho na direção do mosteiro leigo de Tagaste; aprovado e completado por Agostinho; fim do séc. IV).

5. Ninguém murmure, para não perecer sob o golpe de uma condenação semelhante à dos murmuradores (Nm 14, 1-37).

7. À mesa, permanecerão em silêncio, escutando a leitura. (...)

9. Não profiram palavra ociosa (Mt 12, 36). Entreguem-se ao trabalho desde a manhã. Depois das orações de terça, voltarão ao trabalho. Não ficarão a conversar, a menos que seja uma conversa proveitosa à alma. Sentando-se para o trabalho, permanecerão em silêncio, a não ser que o trabalho exija que se fale.

IV. PRAECEPTUM (escrita por Santo Agostinho para o Mosteiro leigo de Hipona; fim do séc. IV).

III 2. Durante toda a refeição, escutai a leitura costumeira sem interrompê-la nem protestar. Não apenas a vossa boca se alimente, mas vossos ouvidos tenham fome da palavra de Deus.

V. REGRA DOS QUATRO PADRES (Serapião, Macário, Pafnúcio e outro Macário; século V).

5,1-10: Apêndice e correção.

(XV) 1 É preciso não omitir a maneira de corrigir as faltas de cada um. A excomunhão será proporcional à gravidade da falta. Observar-se-ão, pois, as seguintes disposições: 2Se um dos irmãos pronuncia palavras ociosas, 3prescrevemos, para que não seja ele passível do conselho (Cf. Mt 5, 22), que durante três dias seja afastado da comunidade e das relações com os irmãos, de modo que ninguém se una a ele. 4Se alguém é surpreendido a rir ou fazer brincadeiras - 5como diz o Apóstolo: "isso não convém à pessoa" (Ef 5, 4) - 6ordenamos que, durante duas semanas, um tal homem seja, em nome do Senhor (1Cor 5, 4), repreendido de todos os modos com os açoites da humildade, 7segundo a palavra do Apóstolo: "Se algum irmão é conhecido entre vós como colérico, orgulhoso ou maledicente (1Cor 5, 11), 8observai-o e não o trateis como inimigo, mas repreendei-o como a um irmão (2Ts 3, 14-15); 9e em outro lugar: "Se um irmão é surpreendido em alguma falta, vós que sois espirituais, instrui-o e corrigi esse irmão" (Gl 6, 1). 10É assim que cada um dentre vós deve instruir o outro, a fim de que, por freqüentes apelos à humildade, ele persevere na comunidade, tornando-se provado e não réprobo (1Cor 9, 27).

VI. SEGUNDA REGRA DOS PADRES (séc. V)

II, 11-13: 11 Deve-se também evitar que os irmãos se prejudiquem mutuamente com vãs tagarelices; cada um deve, ao contrário, cuidar de seu próprio trabalho e da sua meditação e ter seu pensamento voltado para o Senhor (Sl 54, 23). 12Nas reuniões de toda a comunidade, nenhum inferior falará sem ser interrogado. 13Aliás, se alguém quer ser reconfortado ou ouvir uma palavra em particular, espere por um momento oportuno.

V, 27-28: 27 Se alguém murmura, contesta (cf. 1Cor 11, 16) o se opõe em algum ponto às ordens, com uma vontade rebelde, 28será justamente repreendido, conforme o julgamento do prepósito, e será mantido afastado tanto tempo quanto o exigir a gravidade da culpa e ele se humilhar e se emendar, fazendo penitência.

VI, 37-39: 37 Quando todos se reúnem para as vigílias, deve-se observar o seguinte: quem está oprimido pelo sono e sai, não se entregará a conversas inúteis, 38mas voltará logo à obra para a qual se está reunido. 39Na assembléia onde se faz uma leitura, todos tenham os ouvidos atentos às Escrituras e guardem silêncio.

VII, 46: Especialmente à mesa, ninguém falará, exceto quem preside ou quem tiver sido interrogado.

VII. REGRA ORIENTAL (1ª metade do séc. VI)

V, 1: Enquanto trabalham, os irmãos não falem de coisas profanas, mas recitem as palavras santas, ou pelo menos guardem o silêncio.

VIII, 1: Ao se deitarem para dormir, ninguém falará com outrem.

XIV, 1: Se algum dos irmãos faz algo discutindo ou se opõe à ordem do superior, será repreendido segundo a gravidade de sua falta.

XV, 1-2: Se um irmão mente ou se se constata que ele tem aversão por alguém ou é desobediente, se se entrega a brincadeiras mais do que convém, se é preguiçoso, se usa palavras ásperas ou se tem o hábito de falar mal de seus irmãos e dos estranhos, 2e faz, em geral, tudo o que é contrário à regra das Escrituras e à disciplina do mosteiro, se o pai do mosteiro toma conhecimento disso, o castigará conforme a gravidade da espécie da falta que cometeu.

XVII, 16.19: (O prepósito) 16não profira palavras ociosas (cf. Mt 12, 36). 19Não se deixe dissipar pelo riso dos tolos e pelas escurrilidades.

XXII, 4: (Os irmãos enviados ao exterior para tratar de um negócio) vigiarão para não se prejudicarem mutuamente em conversas fúteis (...)

XXIII, 2: (E quando regressarem ao mosteiro) não ousarão contar no mosteiro tudo o que tiverem feito fora.

XXVI, 1-2: "O cargo do porteiro será o de acolher todos os que se apresentam à porta. 2Ele lhes dará uma boa resposta com humildade e respeito, depois comunicará imediatamente ao abade ou aos antigos quem chegou e o que deseja.

XXXVI, 1: Se alguém fala ou ri durante a refeição, seja repreendido e faça penitência.

XXXVIII, 1: Se faltar alguma coisa à mesa, ninguém ousará falar, mas far-se-á um sinal sonoro aos serventes.

VIII. REGRA DO ABADE MACÁRIO (1ª metade do século VI)

II, 3.5: (Os soldados de Cristo) 3não serão orgulhosos, dados à injúria, maledicentes, gracejadores, tagarelas nem presunçosos; (...) 5fujam da blasfêmia e a ninguém contradigam.

IV, 1-3: Recebe a ordem do antigo como a salvação; 2nada faças murmurando, 3não tenhas a ousadia de responder quando te dão ordens.

XXI, 1-2: Se sofres uma injustiça, cala-te. 2Ignora o que seja ofender o próximo, mas suporta as ofensas que te são feitas.

IX. TERCEIRA REGRA DOS PADRES (1ª metade do séc. VI)

VIII, 1-3: Os irmãos sairão dois a dois, ou três, para adquirir o necessário ao mosteiro; 2e somente aqueles nos quais se pode confiar, 3não aqueles que são propensos à tagarelice ou à gula.

X. REGRA DAS VIRGENS, de São Cesário de Arles, primeira regra escrita diretamente para monjas (1ª metade do séc. VI).

18, 2-4: 2 À mesa, calar-se-ão e estarão atentas à leitura; 3mas, ao terminar a leitura, recitarão sem cessar, os textos sagrados, aprendidos de cor. 4Faltando alguma coisa, a que preside à mesa intervirá, pedindo o necessário por sinais, mais do que por palavras.

26,1-3: É não somente inimaginável, mas até incrível, que virgens consagradas possam ferir-se mutuamente com palavras mordazes ou injúrias. 2Entretanto, se por fraqueza humana, certas irmãs se deixarem levar pelo demônio, (...) 3é justo que sofram a disciplina regular, porque violam as disposições da regra.

33,1-6: Não discutais, conforme a palavra do Apóstolo: "O servo de Deus não deve entrar em discussões"(2Tm 2, 24) e esta outra: "Abstém-se das discussões e diminuirás o número de teus pecado"(Eclo 28, 10). 2Se houver discussões, tenham fim o mais cedo possível, para que a cólera não degenere em ódio, a palha não se transforme em trave e a alma não se torne homicida. 3Pois ledes: "Quem odeia seu irmão é homicida" (1Jo 3, 15) e ainda: "Elevai vossas mãos santas sem cólera nem discussão" (1Tm 2, 8). 4Quem ofende sua irmã com um insulto, uma palavra má ou mesmo uma acusação, 5saiba que deverá expiar seu delito fazendo satisfação. 6As mais jovens, em particular, demonstrarão deferência pelas antigas.

XI. São Cesário escreveu também uma REGRA PARA OS MONGES (resumo e adaptação da Regra das Virgens). Dela, vamos ler três pequenos capítulos:

Cap. IV: Não jurem, porque disse o Senhor: "De modo algum jureis; mas seja vossa palavra: sim, sim; não, não" (cf. Mt 5, 34.37).

Cap. V: Quem for encontrado a mentir, receba a disciplina regular; porque "a boca mentirosa mata a alma" (cf. Sb 1, 11) e: "Fareis perecer aqueles que mentem"(Sl 5, 7).

Cap. VI: Não amaldiçoem, porque está escrito: "Não terão o reino de Deus os maldizentes"(cf. 1Cor 6, 9).

XII. REGRA DO MESTRE (1ª metade do século VI, escrita cerca de trinta anos antes da RB).

Encontramos nela os mesmos versículos que estamos estudando (RB 4, 51-54.73), no capítulo III, denominado: Qual é a arte santa que o Abade deve ensinar a seus discípulos no mosteiro?

57. Preservar a boca das palavras más ou perversas.

58. Não gostar de falar muito.

59. Não dizer, em caso algum, palavras vãs ou que só sirvam para provocar riso.

60. Não gostar de riso excessivo ou ruidoso.

75. Reconciliar-se antes do anoitecer com o inimigo.

Em outras partes da Regra, o Mestre faz várias alusões sobre a guarda da língua e o espírito de silêncio.

São Bento, seguindo a tradição dos monges antigos, considera a guarda da língua assunto de grande importância. Tal é a importância que o assunto tem para ele, que vai lhe dedicar 4 instrumentos sucessivos (e mais 7 esparsos), um capítulo inteiro (o sexto) e 3 graus da humildade (o 9º, 10º e 11º, mais uma pequena referência no 1º e no 4º graus; e em outros capítulos da Regra, vai fazer breves referências ao assunto.

São Bento principia a Regra pedindo, indiretamente, silêncio. Ele diz: Prol 1

"Escuta, filho, os preceitos do Mestre" (para escutar bem, é preciso fazer silêncio); e continua: "... e inclina o ouvido do teu coração" (Prov 4, 20) (não basta o silêncio exterior, é preciso fazer também o silêncio interior, para que o coração possa escutar e "recebe(r) de boa vontade e executa(r) eficazmente o conselho de um bom pai".

Mais adiante, continua insistindo na escuta atenta e com o coração (portanto, numa atitude de silêncio exterior e interior): Prol 9 a 12.

"9 E , com os olhos abertos para a luz deífica, ouçamos, ouvidos atentos, o que nos adverte a voz divina que clama todos os dias: 10'Hoje, se ouvirdes a sua voz, não permitais que se endureçam vossos corações', 11e de novo: ‘Quem tem ouvidos para ouvir ouça o que o Espírito diz às igrejas'. 12E que diz? - ‘Vinde, meus filhos, ouvi-me, eu vos ensinarei o temor do Senhor'".

Um pouco depois, já recomenda a guarda da língua: Prol 17

"17 Se queres possuir a verdadeira e perpétua vida, guarda a tua língua de dizer o mal e que teus lábios não profiram a falsidade, afasta-te do mal e faze o bem (também o mal e o bem que a língua pode fazer), procura a paz e segue-a" (a paz é fruto do silêncio; não há paz onde não há domínio sobre a língua).

No Prol 26-27 continua recomendando a vigilância sobre a língua quando diz quem vai habitar na tenda do Senhor:

26 "‘aquele que fala a verdade no seu coração, que não traz o dolo em sua língua (coração e língua falam a verdade), 27 que não faz mal ao próximo (nem em atos, nem em palavras) e não dá acolhida à injúria contra o seu próximo'" ( Sl 14, 2-3) (não acolhe línguas perversas).

No capítulo 2 (Como deve ser o Abade), São Bento adverte o abade a fazer o que prega, para não ser condenado por suas próprias palavras: RB 2, 14:

"...e (que) Deus não lhe diga um dia como a um pecador: ‘Por que narras as minhas leis e anuncias o meu testamento pela tua boca? Tu que odiaste a disciplina e atiraste para trás de ti as minhas palavras,..." ( Sl 49, 16-17)

No capítulo 3 (Da convocação dos irmãos a Conselho), São Bento mostra a maneira de falar nas reuniões capitulares: RB 3,4 (Da Convocação dos Irmãos a Conselho)

"Dêem pois os irmãos o seu conselho com toda a submissão da humildade e não ousem defender arrogantemente o seu parecer,..."

3, 9-10: "(Ninguém) ouse discutir insolentemente com seu abade, nem mesmo discutir com ele fora do mosteiro. 10E se ousar fazê-lo, seja submetido à disciplina regular".

No capítulo 4 (Quais são os instrumentos das boas obras), além dos versículos 51 a 54, ainda há outros versículos que tratam da guarda da língua:

RB 4, 7: Não levantar falso testemunho.

4, 27: Não jurar para não vir a perjurar.

4, 28: Proferir a verdade de coração e de boca (portanto, não mentir).

4,29: Não retribuir o mal com o mal (nem com atos, nem com palavras).

4, 32: Não retribuir com maldição aos que o amaldiçoam, mas antes abençoá-los.

4, 39: Não ser murmurador.

4, 40: Não ser detrator.

Esses versículos citados (RB 4, 7.27.28.29.32.39.40) estão contidos implicitamente, no versículo 51: "Guardar sua boca da palavra má ou perversa".

O versículo 36: "Não ser guloso", se for analisado metaforicamente pode fazer parte desta lista. Pv 18, 8 diz: "As palavras do delator são como gulodices, penetram até às entranhas". E Pv 26, 22 diz: "As palavras do mexeriqueiro são como guloseimas; penetram até o fundo das entranhas". Nesse sentido, não devemos ser gulosos, isto é, não devemos ser ávidos por ouvir fofocas ou, como diz o Prol 27, não devemos acolher as injúrias contra o próximo.

Poderíamos pensar que a gula também é um pecado da língua, porque a língua é o órgão do paladar. Mas na linguagem antiga não é, porque os antigos consideravam a gula um pecado do ventre.

Nos capítulos 5, 7, 23, 34, 35, 40 e 41, São Bento vai condenar a murmuração (por palavra, por atitude ou apenas no coração):

RB 5, 17-19 (Da obediência): Pois se o discípulo obedecer de má vontade e se murmurar, mesmo que não com a boca, mas só no coração, 18ainda que cumpra a ordem, não será mais o seu ato aceito por Deus que vê seu coração a murmurar; 19e por tal ação não consegue graça alguma, e ainda mais, incorre no castigo dos murmuradores se não se emendar pela satisfação".

RB 23, 1 Da excomunhão pelas faltas): "Se houver algum irmão teimoso ou desobediente, soberbo ou murmurador,..." Nesse capítulo São Bento diz como devem ser corrigidos os irmãos murmuradores.

RB 34, 6-7 (Se todos devem receber igualmente o necessário): "6Antes de tudo, que não surja o mal da murmuração em qualquer palavra ou atitude, seja qual for a causa. 7Se alguém for assim surpreendido, seja submetido a castigo mais severo".

RB 35, 12-13 (Dos semanários da cozinha): "12Os semanários recebam, uma hora antes da refeição, além da porção estabelecida, um pouco de pão e algo para beber, 13a fim de que, na hora da refeição, sirvam a seus irmãos sem murmurar e sem grande cansaço;..."

RB 40, 8-9 (Da medida da bebida): "8Onde, porém, a necessidade do lugar exigir que nem a referida medida se possa encontrar, mas muito menos ou absolutamente nada, bendigam a Deus os que ali vivem e não murmurem: 9antes de tudo exortamo-los a que vivam sem murmurações."

RB 41, 5 (A que horas convém fazer as refeições): No cap. 41, São Bento determina o horário para a refeição dos monges, mas pede ao Abade que faça a devida mudança no horário quando for necessário, para que os monges não murmurem: "E assim, que tempere e disponha de tudo, de modo que as almas se salvem e que façam os irmãos, sem justa murmuração, o que têm de fazer".

O capítulo 6, Do silêncio, é o principal capítulo sobre a guarda da língua. Nele estão contidos os versículos 51 a 54 de Rb 4, e também os versículos do cap. 7 que se referem ao assunto.

RB 6: "1 Façamos o que diz o profeta: ‘Eu disse, guardarei os meus caminhos para que não peque pela língua: pus uma guarda à minha boca: emudeci, humilhei-me e calei as coisas boas' (Sl 38, 2-3). 2Aqui mostra o Profeta que, se às vezes se devem calar mesmo as boas conversas, por causa do silêncio, quanto mais não deverão ser suprimidas as más palavras, por causa do castigo do pecado?"

Cf. RB 7, 12 (Da humildade: 1º grau da humildade: vigilância) "...defendendo-se a todo tempo dos pecados e vícios, isto é, dos pecados dos pensamentos, da língua, das mãos,...

3 Por isso, ainda que se trate de conversas boas, santas e próprias a edificar, raramente seja concedida aos discípulos perfeitos licença de falar, por causa da gravidade do silêncio, 4pois está escrito: ‘Falando muito não foges ao pecado'(Pv 10, 19), 5e em outro lugar: ‘a morte e a vida estão em poder da língua' (Pv 18, 21). 6Com efeito, falar e ensinar compete ao mestre; ao discípulo convém calar e ouvir."

Cf. RB 7, 56-58: 56 O nono grau da humildade consiste em que o monge negue o falar à sua língua, entregando-se ao silêncio; nada diga, até que seja interrogado, 57pois mostra a Escritura que "no muito falar não se foge ao pecado" (Pv 10, 19) 58e que "o homem que fala muito não se encaminhará bem sobre a terra" (Sl 139, 12).

7 Por isso, se é preciso pedir alguma coisa ao superior, que se peça com toda a humildade e submissão da reverência.

Cf. RB 7, 60-61: 60 O undécimo grau da humildade consiste em que, quando falar, fazê-lo o monge suavemente e sem riso, humildemente e com gravidade, com poucas e razoáveis palavras e não em alta voz, 61conforme o que está escrito: "O sábio manifesta-se com poucas palavras" (Pv 17, 27; cf. Ecl. 10, 14).

8 Já quanto às brincadeiras, palavras ociosas e que provocam riso, condenamo-las em todos os lugares a uma eterna clausura, para tais palavras não permitimos ao discípulo abrir a boca".

Cf. RB 4, 53: Não falar palavras vãs ou que só sirvam para provocar riso.

4, 54: Não gostar do riso excessivo ou ruidoso.

7, 59: O décimo grau da humildade consiste em que não seja o monge fácil e pronto ao riso, porque está escrito: "O estulto eleva sua voz quando ri" (Eclo 21, 23).

São Bento volta a falar do silêncio em outros capítulos.

No capítulo 42, fala do silêncio noturno:

RB 42, 1.8b-11 (Que ninguém fale depois das Completas): "1Os monges devem, em todo tempo, esforçar-se por guardar o silêncio, mas principalmente nas horas da noite. 8b (...) saindo das Completas, não haja mais licença para ninguém falar o que quer que seja. 9Se alguém for encontrado transgredindo esta regra do silêncio, seja submetido a severo castigo; 10exceto se sobrevier alguma necessidade da parte dos hóspedes ou se, por acaso, o Abade ordenar alguma coisa a alguém. 11Mas, mesmo isso seja feito com suma gravidade e honestíssima moderação".

No capítulo 53, Da recepção dos hóspedes, fala do silêncio que deve ser mantido com relação aos hóspedes:

RB 53, 23-24: "23De modo algum se associe ou converse com os hóspedes quem não tiver recebido permissão: 24se encontrar ou vir algum deles, saúde-o humildemente, como dissemos, e pedida a bênção, afaste-se, dizendo não lhe ser permitido conversar com hóspedes".

No capítulo 48, Do trabalho manual cotidiano, fala do silêncio na hora do repouso:

RB 48,5: "Depois da sexta, levantando-se da mesa, repousem em seus leitos com todo o silêncio. Se acaso alguém quiser ler, leia para si, de modo que não incomode a outro.

No capítulo 38, Do leitor semanário, fala do silêncio no refeitório:

RB 38,5-9: "5Faça-se o máximo silêncio, de modo que não se ouça nenhum cochicho ou voz, a não ser a do que está lendo. 6Quanto às coisas que são necessárias aos que estão comendo e bebendo, sirvam-se mutuamente os irmãos, de tal modo que ninguém precise pedir coisa alguma. 7Se, porém, se precisar de qualquer coisa, seja antes pedida por algum som ou sinal do que por palavra. 8Nem ouse alguém fazer alguma pergunta sobre a leitura, ou outro assunto qualquer , 9para que se não dê ocasião, a não ser que o superior, porventura, queira dizer, brevemente, alguma coisa, para edificação".

No capítulo 52, Do oratório do Mosteiro, fala do silêncio no oratório:

RB 52, 2-5: "2Terminado o Ofício Divino, saiam todos com sumo silêncio e tenha-se reverência para com Deus; 3de modo que se acaso algum irmão quiser rezar em particular, não seja impedido pela imoderação de outro. 4Se também em outro momento, porventura, quiser rezar em silêncio, entre simplesmente e ore, não com voz clamorosa, mas com lágrimas e pureza de coração. 5Quem não procede desta maneira, não tenha, pois, permissão de, terminado o Ofício Divino, permanecer no oratório, como foi dito, para que outro não venha a ser perturbado.

No próprio relacionamento do monge com Deus, São Bento diz que não seremos ouvidos com o muito falar:

RB 20, 3 (Da reverência na oração): "E saibamos que seremos ouvidos, não com o muito falar, mas com a pureza do coração e a compunção das lágrimas.

Assim como o monge não deve falar de qualquer maneira, mas com gravidade, discrição e humildade, assim também o louvor divino não pode ser feito de qualquer maneira.

Ao iniciar o Ofício, os monges devem repetir três vezes o versículo: "Senhor, abri(reis) os meus lábios e minha boca anunciará vosso louvor" (Sl 50, 17).

Cf. RB 9, 1 (Quantos salmos devem ser ditos nas horas noturnas): No tempo de inverno acima citado, diga-se em primeiro lugar o versículo, repetido três vezes: "Senhor, abri(reis) os meus lábios e minha boca anunciará vosso louvor",...

Na salmodia, nossa mente deve concordar com nossa voz.

Cf. Rb 19, 7 (Da maneira de salmodiar): ...e tal seja a nossa presença na salmodia, que nossa mente concorde com nossa voz.

Não é qualquer monge que pode cantar ou ler, mas o que for capaz de edificar os ouvintes e tiver recebido ordem do abade; e deve exercer esse ofício com humildade, gravidade e tremor.

Cf. RB 47, 3-4 (Como deve ser dado o sinal para o Ofício Divino): 3Não presuma cantar ou ler, a não ser quem pode desempenhar esse ofício de modo que se edifiquem os ouvintes; 4e seja feito com humildade, gravidade e tremor por quem o Abade tiver mandado.

Quem erra na recitação deve fazer satisfação.

Cf. RB 45, 1 (Dos que erram no oratório): Se alguém errar quando recitar um salmo, responsório, antífona ou lição, e se não se humilhar, ali mesmo, diante de todos, por uma satisfação, sofra castigo maior,..

Quem tiver sido excomungado, não pode entoar salmo, lição, etc, no oratório sem ordem do Abade.

Cf. RB 44, 6 (Como devem fazer satisfação os que tiverem sido excomungados): ...mas de tal modo que não presuma entoar, no oratório, salmo ou lição ou o que quer que seja, sem que de novo o Abade ordene.

Os que chegam atrasados ao Ofício Divino devem entrar no oratório e ficar no último lugar ou em lugar separado, para não dormirem ou ficarem à toa ou ficarem conversando do lado de fora.

Cf. RB 43,8 (Dos que chegam tarde ao Ofício Divino ou à mesa): "Pois se permanecessem fora do oratório, haveria talvez algum que ou se acomodaria novamente e dormiria, ou então se assentaria do lado de fora, ou se entregaria a conversas e daria ocasião ao maligno;...

A leitura no refeitório tem grande importância. Além de exigir silêncio no refeitório, São Bento não permite que qualquer monge leia e determina que o leitor peça a bênção no oratório para que sua língua não peque pela soberba:

RB 38, 1-4.12 (Do leitor semanário): 1Às mesas dos irmãos não deve faltar a leitura; não deve ler aí quem quer que, por acaso, se apodere do livro, mas sim o que vai ler durante toda a semana, a começar do domingo. 2Depois da Missa e da Comunhão, peça a todos que orem por ele para que Deus afaste dele o espírito de soberba. 3No oratório, recitem todos, por três vezes, o seguinte versículo, iniciando-o o próprio leitor: "Abri, Senhor, os meus lábios, e minha boca anunciará vosso louvor"(Sl 50,17); 4e tendo assim recebido a bênção, entre a ler. 12Não leiam nem cantem os irmãos segundo a ordem da comunidade, mas façam-no aqueles que edificam os ouvintes.

Quando fala da Quaresma, São Bento lembra novamente a guarda da língua:

RB 49, 7 (Da observância da Quaresma): (...) subtraia do seu corpo algo da comida, da bebida, do sono, da conversa, da escurrilidade, e, na alegria do desejo espiritual, espere a Santa Páscoa**.

RB 48, 17-18 (Do trabalho manual cotidiano): 17Antes de tudo, porém, designem-se um ou dois dos mais velhos, os quais circulem no mosteiro nas horas em que os irmãos se entregam à leitura 18e verão se há, por acaso, algum irmão tomado de acédia, que se entrega ao ócio ou às conversas, e não está aplicado à leitura, e não somente é inútil a si próprio como também distrai os outros.

No capítulo 31, Do Celeireiro, São Bento recomenda a maneira de falar:

RB 31, 7.13-14: 7Se algum irmão, por acaso, lhe pedir alguma coisa desarrazoadamente, não o entristeça desprezando-o, mas negue razoavelmente, com humildade, ao que pede mal. (...) 13Tenha antes de tudo humildade não possuindo a coisa com que atender a alguém, entregue-lhe como resposta uma boa palavra, 14conforme o que está escrito: "A boa palavra está acima da melhor dádiva" (Eclo 18,17).

Nos capítulos 61 e 66, São Bento se refere novamente à maneira de falar:

RB 61, 4 (Dos monges peregrinos como devem ser recebidos): Se repreende ou faz ver alguma coisa razoavelmente e com a humildade da caridade, trate o Abade prudentemente desse caso, pois talvez por causa disto Deus o tenha enviado.

RB 66,3 (Dos posteiros do mosteiro): Logo que alguém bater ou um pobre chamar, responda "Deo gratias" ou "Benedic" e, com toda a mansidão do temor de Deus, responda com presteza e com o fervor da caridade.

No capítulo 68, São Bento recomenda não apenas a maneira de falar, mas também o tempo oportuno para falar:

RB 68, 2-3 (Se são ordenadas a um irmão coisas impossíveis): 2Se vê que o peso do ônus excede absolutamente a medida de suas forças, sugira paciente e oportunamente ao seu superior as causas de sua impossibilidade, 3não se enchendo de soberba, nem resistindo ou contradizendo.

Quando um monge vai se dirigir a outro, não deve chamá-lo simplesmente pelo nome, mas deve usar um título respeitoso:

RB 63, 11-13 (Da ordem na comunidade): No próprio modo de chamar pelo nome, a ninguém seja permitido chamar o outro pelo simples nome, 12mas os mais velhos chamem aos mais moços pelo nome de irmãos e os mais mocós chamem os mais velhos de "nonos", o que significa reverência paterna. 13O abade, que se crê fazer as vezes do Cristo, seja chamado Senhor e Abade, não em virtude de sua própria atribuição, mas em honra e por amor a Cristo.

As conversas ociosas, a falta de silêncio e recolhimento, podem ser tão prejudiciais à paz espiritual dos monges, que São Bento ordena que se faça orações pelos monges que viajam, no dia da partida, enquanto estão fora e no dia da chegada. E proíbe os monges viajantes de contarem o que viram ou ouviram fora do mosteiro.

RB 67, 1-6 (Dos irmãos mandados em viagem): 1Os irmãos que vão partir em viagem recomendem-se às orações de todos os irmãos e do Abade 2e sempre, na última oração do Ofício Divino, faça-se a comemoração de todos os ausentes. 3Os irmãos que voltam de viagem, no mesmo dia em que chegam, em todas as Horas canônicas, quando termina o Ofício Divino, prostrados no chão do oratório, 4peçam a todos a sua oração por causa dos excessos que, porventura, durante a viagem, se tenham nele insinuado, vendo ou ouvindo coisas más ou em conversas ociosas. 5E ninguém presuma relatar a outrem qualquer das coisas que tiver visto ou ouvido fora do mosteiro, pois é grande a destruição. 6E se alguém presumir fazê-lo, seja submetido ao castigo regular, (...)

São Bento procura, pois, de todas as formas, em todas as situações da vida monástica, ajudar seus discípulos a adquirir a necessária guarda da língua e a taciturnitas, a atitude espiritual de silêncio imprescindível para a união do monge com Deus. E para facilitar a aquisição e conservação deste silêncio, São Bento deseja que "6o mosteiro, se possível, seja construído de tal modo que todas as coisas necessárias, isto é, água, moinho, horta e os diversos ofícios se exerçam dentro do mosteiro, 7para que não haja necessidade de os monges vaguearem fora, porque de nenhum modo convém às suas almas" (RB 66, 6-7: Dos porteiros do mosteiro). A portaria do mosteiro, confiada ao cuidado de um "ancião sábio" (RB 66,1) é o limite entre o mosteiro e o mundo que o circunda. A clausura monástica tem por fim ajudar os monges a viverem na imperturbável união com Deus que se manifesta no silêncio.

O mosteiro está separado, mas não isolado do mundo. O monge está unido, espiritualmente, a todo o mundo. E quando ele consegue, no silêncio, viver em comunhão com Deus, o mundo torna-se um pouco melhor, pois "uma alma que se eleva, eleva o mundo" (Elisabeth Leseur).

O homem do mundo que vier ao mosteiro em busca de auxílio será recebido como o Cristo (RB 53, 1) e terá um tratamento cheio de humanidade (RB 53, 9). Poderá beneficiar-se da paz e do silêncio do mosteiro, da missa e das orações litúrgicas com o canto gregoriano que o ajudarão a pacificar seu espírito e interiorizar-se, facilitando o encontro com o Deus que habita no seu íntimo. Os monges poderão transmitir-lhe a sabedoria de São Bento, sempre atual, escrita para quem quer que seja que se apressa para a pátria celeste (RB 73, 8); contanto, naturalmente, que esses mesmos monges vivam com autenticidade sua vocação.

Notas:

(*) Regra dos Monges, Ed. Paulinas, 1993, p. 29-32.

(**) Regras Monásticas do Ocidente, CIMBRA, p. 3-4.

(***) As Regras Monásticas: S.Basílio Magno, Vozes, 1983, p. 70.

(****) A palavra "escurrilidade" não aparece nos dicionários modernos; só encontrei num dicionário mais antigo, o adjetivo "escurril" que quer dizer gracejador, bobo, ridículo. Nossa Madre Escolástica traduz, no lugar de "conversa e escurrilidade", "liberdade de falar e gracejar". A tradução de Solesmes da Regra também diz: "la liberté de parler et de rire". Latim: "de loquacitate, de scurrilitate..."

 

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