São Simeão, o Novo Teólogo, (c. de 949-1022) Antologia de textos homiléticos «E àquele que bate à porta, abrir-se-lhe-á» Catequese 33 Diz Cristo aos Doutores da Lei: “Ai de vós, doutores da Lei, porque vos apoderastes da chave da ciência” (Lc 11, 52). O que é a chave da ciência, senão a graça do Espírito Santo dada pela fé, que produz, por iluminação, o conhecimento pleno, e que nos abre o espírito, fechado e velado? […] E direi ainda: a porta é o Filho: “Eu sou a Porta”, diz ele (Jo 10, 7). A chave da porta é o Espírito Santo: “Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos” (Jo 20, 22-23). A casa é o Pai: “Na casa de Meu Pai há muitas moradas” (Jo 14, 2). Presta pois cuidadosa atenção ao sentido espiritual destas palavras. […] Se a porta não se abrir, ninguém entrará na casa do Pai, como diz Cristo: “Ninguém vem ao Pai senão por Mim” (Jo 14, 6). Ora, que o Espírito Santo é o primeiro a abrir-nos o espírito e a ensinar-nos aquilo que diz respeito ao Pai e ao Filho, foi também Ele que o disse: “Quando vier o Consolador, que vos hei de enviar da parte do Pai, o Espírito da Verdade, que procede Pai, Ele testificará de Mim.” (Jo 15, 26). Como vês, o Espírito – ou antes, no Espírito, o Pai e o Filho dão-Se a conhecer inseparavelmente. […] Com efeito, se chamamos chave ao Espírito Santo, é porque é, antes de mais, por Ele e nele que temos o espírito clarificado e que, purificados, somos iluminados com a luz do conhecimento e batizados com o que vem do alto, regenerados e tornados filhos de Deus, como diz Paulo: “É o próprio Espírito que intercede por nós com gemidos inefáveis” (Rom 8, 26), e ainda: “Deus enviou aos nossos corações o Espírito que clama: ‘Abbá! Pai!’” (Gal 4, 6). É Ele, pois, que nos mostra a porta, porta que é luz, e a porta ensina-nos que Aquele que habita em casa é, também Ele, uma luz inacessível. * * * * «Eis que Jesus lhes saiu ao encontro» Catequese 13 Muitas pessoas acreditam na ressurreição de Cristo mas poucas têm dela uma visão clara. Como é que aqueles que não a testemunharam podem adorar a Cristo como Santo e como Senhor? Com efeito, está escrito: "Ninguém pode dizer 'Jesus é o Senhor' senão pelo Espírito Santo" (1 Co 12,3), e também: "Deus é Espírito e os que O adoram devem adorá-Lo em espírito e verdade" (Jo 4,24)... Como é que, então, o Espírito Santo nos incita a dizer hoje [na liturgia]: "Nós vimos a ressurreição de Cristo. Adoremos o Santo, o Senhor Jesus, o único que não tem pecado"? Como é que ela nos convida a afirmá-lo, como se o tivéssemos visto? Cristo ressuscitou uma só vez, há mil anos, e mesmo nessa altura ninguém O viu ressuscitar. Será que a Sagrada Escritura quer que mintamos? Nunca na vida! Pelo contrário, ela exorta-nos a atestarmos a verdade, esta verdade que, em cada um de nós, seus fiéis, emana da ressurreição de Cristo e, isso, não uma só vez mas hora a hora, por assim dizer, sempre que o Mestre em pessoa, Cristo, ressuscita em nós, vestido de branco e fulgurante nos raios da incorruptibilidade e da divindade. Porque a luminosa vinda do Espírito faz-nos entrever, como naquela manhã, a ressurreição do Mestre, ou antes, dá-nos a graça de O vermos a Ele mesmo, Ele, o ressuscitado. É por isso que cantamos: "O Senhor é Deus e apareceu-nos" (Sl 117,27) e, aludindo à sua segunda vinda, acrescentamos: "Bendito O que vem em nome do Senhor" (v.26)... É, pois, espiritualmente, aos olhos do nosso espírito, que Ele Se mostra e Se faz ver. E, quando isso se produz em nós pelo Espírito Santo, Ele ressuscita-nos dos mortos, vivifica-nos e dá-se a Si mesmo a ver, inteiro, vivo em nós, Ele o imortal e o eterno. Dá-nos a graça de O conhecermos claramente, Ele que nos ressuscita consigo e nos faz entrar com Ele na sua glória. * * * * * «Também eu não te condeno... Hino 45 Ó meu Deus, que amas perdoar, meu Criador, Afastei-me do caminho recto, do caminho de Deus, Mas tu, que és todos os bens, * * * * * «Reconhecer desde já a porta aberta» Hino 53 Vê, ó Cristo, a minha angústia, Abre-me de par em par «Será que imaginas, ó filho dos homens, Considera os meus benefícios, * * * * * «Quem não recolhe comigo, dispersa» Catequese 27 O teu Mestre não se zanga quando o insultam; e tu, enervas-te? Ele suporta escarros, bofetados, chicotadas; e tu não podes aceitar uma palavra dura? Ele acolhe a cruz, uma morte desonrosa, a tortura dos cravos; e tu não aceitas cumprir os serviços menos honrosos? Como irás tornar-te participante da sua glória (1 Pe 5,1) se não aceitas tornar-te participante da sua morte desonrosa? Na verdade, foi em vão que abandonaste as riquezas, se não quiseres tomar a cruz, tal como ele ordenou com a sua palavra de verdade: «Vende o que tens e dá-o aos pobres», prescreve ele ao jovem rico, assim como a todos nós, «toma a tua cruz», «vem e segue-me» (Mt 19,21.16,24). Tu fizeste bem em partilhar as tuas riquezas, mas não aceitaste tomar a cruz, isto é, suportar com valentia o assalto de todas as provações; perdeste-te no caminho da vida e separaste-te, para tua desgraça, do teu Deus dulcíssimo e do teu Mestre Peço-vos, meus irmãos, observemos todos os mandamentos de Cristo, suportemos até à morte, por amor do Reino dos céus, as provações que nos assaltam, a fim de participarmos na glória de Deus, de ter parte na vida eterna e de herdar o gozo dos bens indizíveis, em Cristo Jesus nosso Senhor. * * * * * «Jesus tocou-o e disse-lhe: ‘Quero; sê purificado’» Hino 30 Antes de ter brilhado a luz divina, E aquele que me tinha iluminado toca com suas mãos Logo que fui purificado e libertado das cadeias, * * * * * «Para que eles sejam um, como nós somos um: Eu neles e tu em mim» Ética O corpo da Igreja de Cristo, resultado harmonioso da reunião dos seus santos, desde a origem dos tempos, atinge a sua constituição equilibrada e integral na união dos filhos de Deus, dos primogênitos inscritos nos céus... O nosso Salvador- Deus, Ele mesmo revela o caráter indissolúvel e indivisível da união com ele, dizendo aos Apóstolos; «Eu no Pai e o Pai em mim; e vós em mim e eu em vós» (Jo 14, 20). E torna isto ainda mais claro, acrescentando: « Eu dei-lhes a glória que Tu me deste, a fim que eles sejam um, como Nós somos um, Eu neles e Tu em mim, para que sejam completados na unidade». E de novo: « A fim de que o amor com que Tu me amaste esteja neles e eu próprio esteja neles»... Oh, maravilha! Oh, indizível condescendência do amor que nos traz Deus, o amigo dos homens! Aquilo que Ele é aos olhos de Seu Pai, concede que sejamos aos seus olhos, por adoção e pela graça... A glória dada ao Filho pelo Pai, o Filho dá-no-la, por sua vez pela graça divina. Melhor ainda: do mesmo modo que Ele está no Pai e o Pai nEle, do mesmo modo o Filho de Deus estará em nós e nós no próprio Filho , se nós o quisermos, pela graça. Uma vez tornado semelhante a nós pela carne, Ele tornou-nos participantes da Sua divindade e incorpora-nos a todos nEle. Aliás a divindade na qual participamos por esta comunhão, não é divisível em partes separadas; conclui-se necessariamente que, uma vez que nela participamos de verdade, somos também nós inseparáveis deste Espírito único, formando um só corpo com Cristo. * * * * * A luz que me conduz pela mão Hino 18 Nós conhecemos o amor que tu nos deste, sem limite, indizível, que nada pode encerrar; ele é luz, luz inacessível, luz que age em tudo...Com efeito, o que é que esta luz não faz, e o que é que ela não é? Ela é encanto e alegria, doçura e paz, misericórdia sem medida, abismo de compaixão. Quando a possuo, não a observo mais; vejo-a apenas quando ela se vai. Precipito-me para a prender, e ela foge totalmente. Não sei o que fazer e consumo-me. Aprendo a pedir e a procurar com lágrimas e em grande humildade, a não considerar como possível o que ultrapassa a natureza, nem como efeito do meu poder ou do esforço humano, aquilo que vem da compaixão de Deus e da sua misericórdia infinita... Esta luz conduz-nos pela mão, fortifica-nos, ensina-nos, mostrando-se, mas fugindo assim que temos necessidade dela. Não é quando a queremos – o que pertence aos perfeitos – mas é assim que ficamos embaraçados e completamente esgotados que ela vem em nosso socorro. Ela aparece de longe e faz -me senti-la no meu coração. Grito até me sufocar de tanto que a quero prender, mas tudo é noite, e vazias estão as minhas pobres mãos. Esqueço tudo, sento-me e choro, desesperando de a ver ainda uma outra vez. Quando chorei muito e consenti em me deter, então, vindo misteriosamente, ela toma-me a cabeça, e eu derreto-me em lágrimas sem saber quem está a iluminar o meu espírito de uma luz muito doce. * * * * * «Filho de David, tem piedade de mim» Ética 5 Tu aprendeste, meu amigo, que o Reino dos céus está dentro de ti (Lc 18,21) se tu o quiseres e todos os bens eternos estão nas tuas mãos. Apressa-te então em ver, em agarrar e conseguir para ti os bens guardados em reserva… Geme; prosterna-te. Como o cego de outrora, diz agora também tu: “Tem piedade de mim, Filho de Deus, e abre os olhos da minha alma, a fim de que eu veja a Luz do mundo que és tu, ó meu Deus (Jo 8,12), e que eu também me torne filho dessa luz divina (Jo 12,36). Ó clemente, envia também o Consolador sobre mim, a fim de que ele próprio me ensine (Jo 14,26) o que a ti diz respeito, ó Deus do universo. Permanece também em mim, como disseste, a fim de que me torne pelo meu lado digno de permanecer em ti (Jo 15,4). Concede-me que eu saiba entrar em ti e saiba que te tenho em mim. Ó invisível, digna-te tomar forma em mim, a fim de que ao ver a tua beleza inacessível, eu possua a tua imagem, ó celeste, e esqueça todas as coisas visíveis. Concede-me a glória que o Pai te deu (Jo 17,22), ó misericordioso, a fim de que, semelhante a ti como todos os teus servidores, eu partilhe da tua vida divina segundo a graça e que eu esteja contigo continuamente, agora e sempre e por todos os séculos sem fim”. * * * * * «O Reino de Deus» Hino 17 Vou mostrar-te claramente que é aqui em baixo que tens de acolher o Reino dos céus, todo inteiro, se nele quiseres entrar também após a tua morte. Escuta Deus que te fala em parábolas: “A que compararei então o Reino dos céus? Ele assemelha-se, escuta bem, ao grão de mostarda que um homem tomou e lançou no seu jardim; e ele germinou e, na verdade, tornou-se uma grande árvore”. Esse grão é o Reino dos céus, é a graça do Espírito divino, e o jardim é o coração de cada homem, o sítio onde quem o recebeu esconde o Espírito no fundo de si mesmo, nas pregas das suas entranhas, para que ninguém o possa ver. E guarda-o com todo o cuidado, para que germine, para que se torne uma árvore e se eleve para o céu. Se, então, disseres: “Não é aqui em baixo, mas só após a morte que acederão ao Reino todos os que o tiverem desejado com fervor”, estás a alterar o sentido das parábolas do Salvador nosso Deus. E, se não tomares o grão, esse grão de mostarda, como ele to disse, se não o lançares no teu jardim, ficarás totalmente estéril. Em que outro momento, se não for agora, receberás tu a semente? “Aqui em baixo, recebe o penhor, diz o Mestre; aqui em baixo, recebe o selo. Já aqui, ilumina a tua lâmpada. Se fores sensato, é aqui em baixo que me tornarei para ti a pérola (Mt 13,45), é aqui em baixo que serei o teu trigo, bem como o teu grão de mostarda. É aqui em baixo que serei fermento e farei levedar a massa. É aqui que serei para ti como água e me tornarei fogo abrasador. É aqui que me tornarei a tua veste e o teu alimento e toda a tua bebida, se o desejares”. Eis o que diz o Mestre: “Se assim, pois, já aqui em baixo, me reconheceres como tal, também no céu me possuirás inefavelmente e eu tornar-me-ei tudo para ti”. * * * * * «Havia de ser anunciada, em seu nome, a conversão para o perdão dos pecados a todos os povos» (Lc 24,47) Hino 29 A toda a raça dos homens, aos reis e príncipes, aos ricos e pobres, aos monges e laicos: escutai-me agora a contar a grandeza e o amor de Deus para com os homens! Pequei contra Ele como homem nenhum no mundo [...] No entanto, sei-o, Ele chamou-me e imediatamente respondi [...] Ele chamou-me à penitência, e imediatamente segui o meu Mestre. Quando Ele se afastava, perseguia-O ...[...] Bem podia Ele partir, vir, esconder-Se, aparecer, que eu não voltava atrás, jamais desencorajava, sem abandonar nunca o meu caminho [...]. Quando não o via, procurava-O. Ficava em pranto, perguntava por Ele a toda a gente, a todos quantos, algum dia, o haviam visto. A quem é que eu perguntava? Não aos sábios deste mundo, mas aos profetas, aos apóstolos, aos padres – os sábios que possuem na verdade a sabedoria de que Ele é o próprio Cristo, sabedoria de Deus (1 Cor 1,24). Em lágrimas e com grande dor no peito, pedia-lhes que me dissessem onde o haviam visto, mesmo que isso só tivesse acontecido uma vez [...]. E, vendo quão forte era o meu desejo, vendo que, a meus olhos, tudo o que existe no mundo, e o próprio mundo, eram nada [...], Ele mostrou-Se e fez-Se visível, inteiro. Ele, que está fora do mundo e que carrega o mundo e todos quantos estão no mundo, tanto as coisas visíveis como as invisíveis (Col 1, 16), segurando-as com uma só mão, veio ao meu encontro. De onde veio, e como? Não sei [...] As palavras são incapazes de exprimir o inexprimível. Só conhece tais realidades quem as contempla. Por isso, não por palavras, mas por actos, apressemo-nos a procurar, a ver e a aprender a riqueza dos mistérios divinos, riqueza que o Mestre dá a quem a procura. Mais de São Simeão, o Novo Teólogo em SOPHIA Fonte:
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