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São João Crisóstomo

(345-407), Arcebispo de Antioquia depois de Constantinopla

Antologia

26.

«A messe é grande... peçam pois ao Mestre que envie mais trabalhadores» - Homilia 10

27.

«Não temais» - Homilia «À partida para o exílio»

28.

«Não vim chamar os justos mas os pecadores» - Homilias sobre São Mateus

29.

«Junto da cruz de Jesus, estava sua mãe» - Sermão sobre a Cruz para Sexta-Feira Santa

30.

«A libertação dos cativos» - Homilia sobre a palavra (o termo) cemitério e sobre a cruz

31.

«Ele curou muitos doentes» - Homilias sobre S. Mateus

32.

«O homem… unir-se-á à sua mulher e serão um» - Homilia 20 sobre a epístola aos Efésios

33.

«A parábola do joio» - Homilias sobre São Mateus

34.

«As parábolas do tesouro e da pérola» - Homilias sobre S. Mateus

35.

«Fazer frutificar os dons recebidos» - Homilias sobre o Evangelho de Mateus

36.

«Eu estou lá, no meio deles.» - Homilia 8 sobre a epístola aos Romanos

37.

A lâmpada no lampadário - Homilia 15 sobre S. Mateus

38.

« O nosso pastor dá-se a si próprio como alimento» - Homilias sobre S. Mateus

39.

Caminhos para entrar na vida eterna - Sermão sobre o diabo tentador

40.

«Não podereis portanto acreditar  se não tiverdes visto sinais e prodígios?» - 35ª homilia sobre S. João

41.

«Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido» (Mt 6,12) - Homilias sobre S. Mateus

42.

«Eis o dia que fez o Senhor;  nele exultemos e rejubilemos!»  - Homilia atribuída a S. João Crisóstomo,  Dia da Ressurreição, dia da nossa alegria

43.

«Vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão, e depois vem apresentar a tua oferta» - Homilias sobre a 1ª Carta aos Coríntios, nº 24

44.

«O sal da terra» - Sermões sobre S. Mateus, nº 15

45.

«Mas, então, quem pode salvar-se?» - Homilia sobre o devedor de dez mil talentos,3; PG 51, 21

46.

«A conversão de S. Paulo» - 7ª Homilia sobre a conversão:  «A mim, que primeiro fui blasfemador e perseguidor…,  foi-me dada misericórdia» (1 Tim 1,13)

47.

«O semeador semeia sem contar»

48.

«Não é daqueles que nos seguem»  - 3ª Homilia sobre a 1ª Carta aos Coríntios: «As divisões fazem vacilar os pequenos»

49.

«Ser fermento na massa» - Homilia 20 sobre os Atos dos Apóstolos

50.

«Da sua indigência, ela deitou tudo o que tinha para viver» - Sermão sobre o diabo tentador

51.

«Quem pode perdoar os pecado senão Deus?» - Homilias sobre S. Mateus, 29, 1-3)

52.

«Ide vós, também, para a minha vinha» - Homilias sobre São Mateus

53.

«Cada um a seu tempo» - Homilia 64

 

26. «A messe é grande... peçam pois ao Mestre
que envie mais trabalhadores»

Homilia 10

O agricultor que sai para a colheita alegra-se e fica radiante, não prevendo, em sua alegria, nem penas nem dificuldades. Apressa-se como se o lucro já estivesse preparado. Corre para a colheita anual. Em lado algum se apresenta qualquer impedimento, obstáculo, incerteza face ao futuro: nem chuvas intensas, nem geada, nem períodos de seca, nem um batalhão de gafanhotos malfeitores. Aquele que se prepara para a ceifa não teme nada disso. É por isso que os ceifadores levam coros de dança e festejam no início do trabalho.

O mesmo sucede convosco, os apóstolos, que deveis ir até ao fim do mundo, com mais forte razão e ainda com maior alegria. A ceifa é a atividade; apresenta grande facilidade; oferece-nos colheitas prontas. Só é preciso falar, não há que fatigar-se. Emprestai-me a vosso língua, diz o Senhor, e vereis o fruto maduro encher o celeiro real.

Em seguida, enviou-os dizendo: «E eis que eu estarei convosco todos os dias até ao fim do mundo» (Mt. 28, 20). Era Ele que tornava fáceis as coisas difíceis. A palavra do profeta: «Eu mesmo caminharei à tua frente e aplainarei os solos montanhosos» (Is 45,2) realizavam-na os apóstolos de forma sensível. Cristo caminhava, Ele mesmo, à sua frente e tornava o caminho fácil.

* * * * *

27. «Não temais»

Homilia «À partida para o exílio»

Numerosas são as vagas e brame a tempestade, mas não tememos ser submersos: permanecemos firmes sobre a rocha. Mesmo que o mar se enfureça, não quebrará a rocha; mesmo que as vagas se levantem, não podem engolir a barca de Jesus. Dizei-me: que temeríamos nós? A morte? «Para mim, viver é Cristo e morrer, um lucro» (Fl 1, 21). O exílio? «Do Senhor é a terra e tudo o que nela existe» (Sl 23, 1). A confiscação dos bens? «Nada trouxemos ao mundo e nada podemos levar dele» (1Tm 6, 7). Não ligo ao que é temível neste mundo; rio-me dos seus bens. Não temo a pobreza, não desejo a riqueza. Não tenho medo da morte…

O Senhor é que me deu garantias. Fiar-me-ei nas minhas forças? Possuo o seu testamento: eis o meu ponto de apoio, a minha segurança, eis o meu porto tranqüilo. Ainda que trema todo o universo, eu possuo este testamento e releio-o: é a minha fortaleza, a minha segurança. Qual o seu conteúdo? «Eis que Eu estou convosco todos os dias até ao fim do mundo» (Mt 28, 20).

Jesus Cristo está comigo, quem temerei? Assaltem-me as vagas e a cólera dos grandes: tudo isso não vale, sequer, o peso de uma teia de aranha.

28. «Não vim chamar os justos mas os pecadores»

Homilias sobre São Mateus

Porque é que Jesus não chamou Mateus ao mesmo tempo que Pedro, e João, e os outros? Tal como veio à terra apenas quando sentiu que os homens estavam dispostos a obedecer-lhe, também só chamou Mateus quando soube que ele o seguiria. Pela mesma razão, só agarrou Paulo após a Ressurreição (At 9). Porque, sondando os corações, penetrando no mais íntimo da alma de cada um, ele sabia bem em que momento cada um estava disposto a segui-lo. Se Mateus não foi chamado logo no princípio, é porque tinha ainda o coração demasiado duro; mas depois de numerosos milagres, quando a fama de Jesus já tinha crescido, já ele estava mais disposto a escutar o Mestre, e Jesus sabia-o.

Convém ainda admirar a virtude deste apóstolo, que não esconde a sua vida passada... O seu ofício era vergonhoso, sem consciência; os lucros que dele tirava não tinham qualquer desculpa. Apesar disso tudo, Jesus chamou-o. Não se envergonhou de chamar um publicano, tal como não corou por falar a uma prostituta e permitiu-lhe mesmo que beijasse os seus pés e os regasse com lágrimas (Lc 7,36 sg). Porque, se veio, não foi apenas para tratar dos corpos mas para curar as almas. Era o que acabava de fazer com o paralítico; depois de ter mostrado claramente que tem poder de perdoar os pecados, vem ter com Mateus, para que as pessoas não fiquem espantadas por vê-lo escolher um publicano como discípulo.

* * * * *

29. «Junto da cruz de Jesus, estava sua mãe»

Sermão sobre a Cruz para Sexta-Feira Santa

Vês esta vitória admirável? Vês os sucessos da Cruz? Irei eu agora dizer-te alguma coisa de mais admirável? Aprende a forma como esta vitória se realizou e ficarás ainda mais estupefato. Aquilo que permitiu ao demônio vencer, é aquilo por que Cristo o dominou. Combateu o demônio com as armas que ele usara. Escuta como: uma virgem, a madeira, a morte, eis os símbolos da derrota. A virgem era Eva, pois não se unira ao homem; a madeira era a árvore; e a morte a pena em que Adão incorreu. Mas eis que, em contrapartida, a virgem, a madeira e a morte, estes símbolos de derrota, se tornaram nos símbolos da vitória. Em lugar de Eva, Maria; em lugar da árvore do conhecimento do bem e do mal, o madeiro da Cruz; em lugar da morte de Adão, a morte de Cristo.

Vês que o demônio foi vencido por aquilo que lhe dera a vitória? Com a árvore, ele vencera Adão; com a cruz, Cristo triunfou do demônio. A árvore conduziu ao inferno, a cruz faz regressar os que a ele tinham descido. Além disso, a árvore serviu para esconder o homem envergonhado da sua nudez, enquanto que a cruz elevou aos olhos de todos um homem nu, mas vencedor.

Eis o prodígio que a Cruz realizou em nosso favor. A Cruz é o troféu elevado contra os demônios, a espada puxada contra o pecado, a espada com que Cristo trespassou a serpente. A Cruz é a vontade do pai, a glória do Filho único, a alegria do Espírito Santo, o esplendor dos anjos, o orgulho de S. Paulo, a muralha dos eleitos, a luz do mundo inteiro.

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30. «A libertação dos cativos»

Homilia sobre a palavra (o termo) cemitério e sobre a cruz

Neste dia, Jesus Cristo entrou como conquistador no abismo dos infernos. Neste dia, “Ele quebrou (destruiu) as portas de bronze e rompeu os ferrolhos de ferro”, como diz Isaías (45,2). Notai estas expressões. Ele não diz que “abriu” as portas de bronze, nem que as levantou, mas que as “quebrou”, para dar a entender que não há mais prisão, ou seja, que Jesus aniquilou (destruiu) esta morada dos cativos. Uma prisão sem portas nem ferrolhos não pode ter prisioneiros. Estas portas que Cristo quebrou, quem as poderá restaurar? Estes ferrolhos que ele rompeu, quem os poderá recompor?

Quando os príncipes da terra libertam prisioneiros emitindo cartas de perdão, deixam subsistir as portas e os guardas da prisão, para mostrar aos que saem que, tanto eles como outros, ainda podem entrar de novo aí. Cristo não age desse modo. Ao quebrar as portas de bronze, Ele testifica que não há mais cativeiro, nem morte.

Porquê portas de “bronze”? Porque a morte era impiedosa, inflexível, dura como o diamante. Durante séculos antes de Jesus Cristo, jamais algum dos seus cativos lhe pôde escapar, até ao dia em que o Soberano do céu desceu ao abismo para lhe arrancar as suas vítimas.

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31. «Ele curou muitos doentes»

Homilias sobre S. Mateus

«Ao anoitecer, levaram-lhe muitos possessos; pela palavra expulsou os espíritos e curou todos os que estavam doentes.» Vês como a fé da multidão cresceu pouco a pouco? Apesar da hora tardia, não quiseram largar o Senhor; eles pensaram que a noite permitiria levar-Lhe os doentes. Imagina o número de curas que os evangelistas deixam de lado. Não as relatam todas, uma a uma, mas, numa única frase, fazem-nos ver um oceano de milagres. Para que a grandeza do prodígio não nos conduza à incredulidade, para que não se fique perturbado ao pensar numa tal multidão tocada de males tão diversos e curada num momento, o Evangelho traz o testemunho do profeta, tão extraordinário e surpreendente quanto os próprios fatos: «Assim devia cumprir-se o oráculo do profeta Isaías: Ele tomou as nossas enfermidades e carregou sobre Si as nossas doenças (53,4)». Ele não diz: «Ele destruiu», mas «Ele tomou» e « carregou sobre Si», marcando deste modo, em minha opinião, que o profeta fala mais dos pecados do que das doenças do corpo, o que está em conformidade com a palavra de João: «Eis o cordeiro de Deus, eis Aquele que tira o pecado do mundo» (1,29).

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32. «O homem… unir-se-á à sua mulher e serão um»

Homilia 20 sobre a epístola aos Efésios

Que deves tu dizer à tua mulher? Diz-lhe com muito carinho: “Eu escolhi-te, amo-te e prefiro-te à minha própria vida. A existência presente não é nada; por isso, as minhas orações, as minhas recomendações e todas as minhas ações, realizo-as para que nos seja concedido passarmos esta vida de tal maneira que possamos ficar reunidos na vida futura, sem mais nenhum medo da separação. O tempo que vivemos é curto e frágil. Se nos for concedido que agrademos a Deus durante esta vida, ficaremos eternamente com cristo e um com o outro, numa felicidade sem limites. O teu amor encanta-me mais do que tudo e não conheceria infelicidade mais insuportável do que ser separado de ti. Ainda que tenha de perder tudo e tornar-me mais pobre do que um mendigo, enfrentar os maiores perigos e suportar o que quer que fosse, tudo isso me será suportável enquanto durar o teu afeto por mim. È apenas contando com esse amor que eu desejo ter filhos”.

Precisarás também de adequar a tua conduta a estas palavras... Mostra à tua mulher que gostas muito de viver com ela e que, por causa dela, preferes estar em casa do que na praça. Prefere-a em relação a todos os amigos e até aos filhos que ela te deu; e a estes que os ames por causa dela...

Fazei as vossas orações em comum.. Que cada um de vós vá à igreja e que, em casa, o marido peça contas à mulher, e a mulher ao marido, daquilo que foi dito ou lido... Aprendei o temor a Deus; tudo o mais correrá como de uma fonte, e a vossa casa encher-se-á de bens inumeráveis. Aspiremos aos bens incorruptíveis e os outros não nos faltarão « Procurai primeiro o Reino de Deus, diz-nos o Evangelho, e tudo o mais vos será dado por acréscimo» ( Mt 6,33)

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33. «A parábola do joio»

Homilias sobre São Mateus

É táctica do demônio misturar sempre à verdade o erro revestido da aparência e da cor da verdade, de maneira a poder seduzir facilmente os que se deixam enganar. É por isso que Nosso Senhor só nos fala do joio, porque é uma planta semelhante ao trigo. Depois, indica como o inimigo se arranja para enganar: «enquanto os homens dormiam». Por aqui se vê o grave perigo que correm os chefes, sobretudo aqueles a quem foi confiada a guarda do campo; esse perigo, por outro lado, não ameaça unicamente os chefes, mas também os seus subordinados. Isto mostra-nos também que o erro vem depois da verdade. Cristo diz-nos isto para ensinar-nos a não dormir… Daí a necessidade duma guarda vigilante. Diz-nos ainda: Aquele que se mantiver firme até ao fim será salvo» (Mt 10, 22) …

Considera agora o zelo dos servos. Querem arrancar imediatamente o joio; embora lhes falte reflexão, isso prova a sua solicitude pela sementeira. Não procuram senão uma coisa: não querem vingar-se de quem semeou o joio, mas de salvar a colheita; é esta a razão pela qual procuram maneira de erradicar totalmente o mal… Que responde, então, o Mestre? … Impede-lho por duas razões: a primeira, o temor de prejudicarem o trigo; a segunda, a certeza de que um castigo inevitável cairá sobre os que são atingidos por essa doença mortal. Se quisermos o seu castigo sem que a seara sofra, esperemos o momento conveniente… Talvez, por outro lado, uma parte desse joio se converta em trigo? Se o arrancais agora, prejudicareis a próxima colheita, arrancando os que poderiam mudar e tornar-se melhores.

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34. «As parábolas do tesouro e da pérola»

Homilias sobre S. Mateus

A semelhança que se pode ver entre a parábola do grão de mostarda e a do fermento é paralela à que existe entre a do tesouro e a da pérola: ambas significam que é preciso preferir a mensagem evangélica a qualquer outra coisa... Com efeito, o Evangelho desenvolve-se como o grão de mostarda e impõe a sua força como o fermento; tal como a pérola, é de elevado preço; por fim, tal como um tesouro, providencia as mais preciosas vantagens.

A este respeito, convém saber não só que é preciso despojarmo-nos de tudo para acolher o Evangelho, mas também que há que fazê-lo com alegria... Vê de que forma a pregação do Evangelho passa desapercebida no mundo e que, do mesmo modo, o mundo não percebe os muitos bens que dela são recompensa... Duas condições são, pois, necessárias: a renúncia aos bens do mundo e uma sólida coragem. Na verdade, trata-se de "um negociante em busca de pérolas finas", o qual, "tendo encontrado uma de grande valor, vai vender tudo o que possui" para a adquirir. A verdade é una, não se divide. Tal como o que possui a pérola conhece a sua riqueza, enquanto muitas vezes, quando ele a segura nas mãos, os outros nem desconfiem por causa da pequenez da pérola, de igual modo aqueles que são instruídos no Evangelho conhecem a sua felicidade, enquanto os infiéis, ignorando esse tesouro, não fazem qualquer idéia da nossa riqueza.

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35. Fazer frutificar os dons recebidos

Homilias sobre o Evangelho de Mateus

Na parábola dos talentos, Jesus... quer revelar-nos a paciência do nosso Mestre mas, em minha opinião, faz também uma alusão à ressurreição... Em primeiro lugar, os servos que devolvem o dinheiro com os juros declaram sem hesitar o que é resultado do seu trabalho e o que lhes foi dado pelo seu senhor. O primeiro diz: "Senhor, confiaste-me cinco talentos" e o segundo: "Senhor, confiaste-me dois talentos". Reconhecem assim que o seu senhor lhes concedeu os meios para realizarem uma operação vantajosa. Têm consciência disso e põem à disposição do senhor a totalidade da soma que têm em seu poder. Que lhes diz então o senhor? "Muito bem, servo bom e fiel" (porque se reconhece um homem bom pela sua solicitude para com o próximo), "entra na alegria do teu senhor".Mas não se passa o mesmo no que toca ao servo mau... Qual é então a resposta do senhor? "Era preciso colocares o meu dinheiro no banco", isto é, era preciso falar, exortar, aconselhar. "Mas, replica o outro, as pessoas não me escutariam". Ao que o senhor responde: "Isso já não te diz respeito... Terias podido ao menos depositar esse dinheiro e deixar-me o cuidado de o levantar e eu tê-lo-ia reclamado "com os juros" - entendendo por tal as obras que decorrem da escuta da palavra. Cabia-te apenas a parte mais fácil do trabalho e deixavas-me a mais difícil". Eis como este servo faltou ao seu dever...

Que quer isto dizer? Aquele que recebeu, para o bem dos outros, o dom da palavra e do ensino, e o não usou, verá que esse dom lhe é retirado. Quanto ao servo zeloso, atrairá sobre si uma graça mais abundante, tal como o outro perderá a que recebeu.

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36. «Eu estou lá, no meio deles.»

Homilia 8 sobre a epístola aos Romanos

Quando vos digo que imiteis o Apóstolo Paulo, não quero dizer que ressusciteis os mortos e cureis os leprosos, mas antes que tenhais caridade. Tende o amor que animava S. Paulo, porque esta virtude é bem superior ao poder de fazer milagres. Onde há caridade, Deus Filho reina com Seu Pai e o Espírito Santo. Ele disse: «Onde estão dois ou três reunidos em meu nome, eu estou no meio deles». Gostar de estar juntos é a característica duma amizade forte e real.

Haverá pessoas tão miseráveis, direis vós, que não desejem ter Cristo no meio delas? Sim, nós próprios, meus filhos, O escorraçamos de entre nós, quando estamos em luta uns contra os outros. Replicar-me-eis: Que estás a dizer? Não vês que estamos reunidos em Seu nome, dentro das mesmas paredes, no edifício da mesma Igreja, atentos à voz do nosso Pastor? Sem a menor divisão, na unidade dos cânticos e das orações, escutando juntos o nosso Pastor? Onde está a discórdia?

Eu sei que estamos no mesmo redil e sob o mesmo pastor. Por isto mesmo, ainda choro mais amargamente. Porque se vós estais calmos e tranqüilos neste momento e, ao sair da igreja, este critica aquele; um injuria publicamente o outro; um tal é devorado pela inveja, o ciúme ou a avareza ; uns premeditam a vingança e outros a sensualidade, a duplicidade ou a fraude. Respeitai pois, respeitai esta mesa santa na qual todos comungamos; respeitai a Cristo imolado por nós.

* * * * *

37. A lâmpada no lampadário

Homilia 15 sobre S. Mateus

"Não se acende uma lâmpada para a pôr debaixo do alqueire". Mais uma vez, com estas palavras, Jesus incita os seus discípulos a levarem uma vida sem mancha, aconselhando-os a velar constantemente sobre si mesmos, uma vez que estão colocados diante dos olhos de todos os homens, tal como atletas num estádio visto por todo o universo (1 Co 4,9).

Declara-lhes: "Não digais: 'Podemos agora sentar-nos tranqüilos, escondidos num cantinho do mundo', porque ides estar à vista de todos os homens, tal como uma cidade situada no cimo de um monte (Mt 5,14), tal como em casa uma luz que se pôs sobre o lampadário...

Eu acendi a luz do vosso archote, mas cabe-vos alimentá-la, não só para vosso proveito pessoal, mas no interesse de todos os que a virem e forem, por ela, conduzidos à verdade. As piores malícias não poderão lançar qualquer sombra sobre a vossa luz, se viverdes na vigilância dos que são chamados a conduzir para o bem o mundo inteiro.

Que a vossa vida responda, pois, à santidade do vosso ministério, para que a graça de Deus seja anunciada em toda a parte".

* * * * *

38. O nosso pastor dá-se a si próprio como alimento

Homilias sobre S. Mateus

«Quem poderá dizer as proezas do Senhor? Quem fará ressoar todo o Seu louvor?» (Sl 106,2). Que pastor alimentou alguma vez as suas ovelhas com o seu próprio corpo? Mas que digo eu, um pastor? Muitas vezes as mães confiam os seus filhos a amas, desde que nascem. Mas Jesus não pode aceitar isso para as suas ovelhas; alimenta-nos Ele mesmo com o Seu próprio sangue, e assim faz-nos ser um só corpo com Ele.

Considerai, meus irmãos, que Cristo nasceu da nossa própria substância humana. Mas, direis, que importa isso? Isso não diz respeito a todos os homens. Perdão, meu irmão, é para proveito de todos eles. Se Ele se fez homem, se veio tomar a nossa natureza, isso diz respeito à salvação de todos os homens. E, se Ele veio para todos, veio também para cada um em particular. Direis talvez: Então por que é que nem todos os homens receberam o fruto que deveriam obter dessa vinda? Não acuseis Jesus que escolheu esse meio para salvação de todos; o erro está naqueles que rejeitam ess e benefício. Uma vez que na Eucaristia Jesus Cristo se une a cada um dos seus fiéis, fá-los renascer, alimenta-os de Si próprio, não os abandona a outrem e assim convence-os, uma vez mais, de que tomou verdadeiramente a nossa carne.

* * * * *

39. Caminhos para entrar na vida eterna

Sermão sobre o diabo tentador

Quereis que vos indique os caminhos da conversão? São numerosos, variados e diferentes, mas todos conduzem ao céu. O primeiro caminho da conversão é a condenação das nossas faltas. “Aviva a tua memória, entremos em juízo; fala para te justificares!” (Is 43,26). E é por isso que o profeta dizia: “Eu disse: «confessarei os meus erros ao Senhor» e Vós perdoastes a culpa do meu pecado” (Sl 31,5). Condena pois, tu próprio, as faltas que cometeste, e isso será suficiente para que o Senhor te atenda. Com efeito, aquele que condena as suas faltas, tem a vantagem de recear tornar a cair nelas...Há um segundo caminho, não inferior ao referido, que é o de não guardar rancor aos nossos inimigos, de dominar a nossa cólera para perdoar as ofensas dos nossos companheiros, porque é assim que obteremos o perdão das que nós cometemos contra o Mestre; é a segunda maneira de obter a purificação das nossas faltas. “Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai celeste vos perdoará a vós” (Mt 6,14).

Queres conhecer o terceiro caminho da conversão? É a oração fervorosa e perseverante que tu farás do fundo do coração... O quarto caminho, é a esmola; ela tem uma força considerável e indizível... Em seguida, a modéstia e a humildade não são meios inferiores para destruir os pecados pela raiz. Temos como prova disso o publicano que não podia proclamar as suas boas acções, mas que as substituiu todas pela oferta da sua humildade e entregou assim o pesado fardo das suas faltas (Lc 18,9s).

Acabamos de indicar cinco caminhos de conversão... Não fiques pois inactivo, mas em cada dia utiliza todos estes caminhos. São caminhos fáceis e tu não podes usar a tua miséria como desculpa.

* * * * *

40. «Não podereis portanto acreditar
se não tiverdes visto sinais e prodígios?»

35ª homilia sobre S. João

«Se não virdes sinais e prodígios, não acreditareis!» O funcionário real parece não acreditar que Jesus tem o poder de ressuscitar os mortos: «Desce, antes que o meu filho morra!» Parece crer que Jesus ignora a gravidade da doença do seu filho. Por isso, Jesus lhe faz esta censura, para lhe mostrar que os milagres se fazem sobretudo para ganhar e salvar as almas. Assim, Jesus cura o pai que está doente do espírito, tal como o filho que está doente do corpo, para nos ensinar que precisamos de nos ligar a Ele, não por causa dos milagres, mas pelo Seu ensinamento que os milagres confirmam. É que Ele realiza os milagres, não para os crentes, mas para os incrédulos...

De regresso a casa, «ele creu, com todos os da sua casa». Gente que não viu nem ouviu Jesus... acredita nEle. Que ensinamento se retira daqui? É preciso acreditar nEle sem exigir milagres: não é preciso exigir a Deus provas do Seu poder. Nos nossos dias, quantas pessoas mostram um maior amor a Deus depois de seus filhos ou sua mulher terem recebido alívio na doença. Mesmo que os nossos votos não sejam atendidos, é preciso perseverar nas acções de graça e de louvor. Permaneçamos ligados a Deus na adversidade, tanto quanto na prosperidade.

* * * * *

41. «Perdoai-nos as nossas ofensas,
assim como nós perdoamos
a quem nos tem ofendido» (Mt 6,12)

Homilias sobre S. Mateus

Cristo pede-nos então duas coisas: que condenemos os nossos pecados, que perdoemos os dos outros, que façamos a primeira coisa por causa da segunda, que será então mais fácil, pois aquele que pensa nos seus pecados será menos severo para o seu companheiro de desgraça. E perdoar não só de boca, mas «do fundo do coração», para não voltar contra nós o ferro com que pensamos atravessar os outros... Que mal pode fazer-te o teu inimigo, que seja comparável àquele que fazes a ti próprio? Se te deixares levar à indignação e à cólera, serás ferido, não pela injúria que ele te fez, mas pelo ressentimento que tens disso.

Não digas portanto: «Ele ultrajou-me, ele caluniou-me, ele causou-me muitas desgraças.» Quanto mais dizes que ele te fez mal, mais mostras que te fez bem, pois te deu ocasião para te purificares dos teus pecados. Assim, quanto mais ele te ofende, mais te põe em estado de obteres de Deus o perdão das tuas faltas. Pois se nós quisermos, ninguém poderá fazer-nos mal; mesmo os nossos inimigos prestam-nos assim um grande serviço... Considera, pois, quanta vantagem retiras duma injúria sofrida humildemente e com doçura.

* * * * *

42. «Eis o dia que fez o Senhor;
nele exultemos e rejubilemos!»

Homilia atribuída a S. João Crisóstomo,
Dia da Ressurreição, dia da nossa alegria

(Sl 117,24). Porquê? Porque o sol já não está obscurecido, mas tudo se ilumina; o véu do templo já não está rasgado, mas a Igreja está revelada; nós já não seguramos ramos de palmeira, mas cercamos os novos baptizados.

«Eis o dia que fez o Senhor»... eis o dia no sentido próprio, o dia triunfal, o dia dedicado a festejar a ressurreição, o dia em que nos revestimos de graça, o dia em que partilhamos o Cordeiro espiritual, o dia em que se ensopa de leite os que acabam de nascer, o dia em que se realiza o plano da Providência em favor dos pobres. «Exultemos e rejubilemos neste dia»...

Eis o dia em que Adão foi libertado, em que Eva foi libertada da sua pena, em que a morte selvagem estremeceu, em que o poder das pedras se quebrou, em que os ferrolhos dos túmulos foram arrancados..., em que as leis imutáveis dos poderes dos infernos foram anuladas, em que os céus se abriram quando Cristo, Nosso Senhor, ressuscitou. Eis o dia em que, para bem dos homens, a planta verdejante e fértil da ressurreição multiplicou os seus rebentos em todo o universo como num jardim, onde os lírios dos novos baptizados desabrocharam, onde a multidão dos crentes rejubila, onde as coroas dos mártires reverdejam. «Eis o dia que fez o Senhor; nele exultemos e rejubilemos».

* * * * *

43. «Vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão, e depois vem apresentar a tua oferta»

Homilias sobre a 1ª Carta aos Coríntios, nº 24

«Uma vez que há um só pão, nós, embora sendo muitos, formamos um só corpo, porque todos participamos do mesmo pão» (1Cor 10,17). O que é este pão? O Corpo de Cristo. E no que se tornam os que o recebem? No corpo de Cristo. Não são muitos corpos, mas um só. Quantos grãos de trigo entram na composição do pão! Mas quem vê esses grãos? Estão no pão que eles formam, mas nada os distingue uns dos outros, de tão unidos que estão.

Assim estamos nós unidos uns aos outros e com Cristo. Não há mais muitos corpos alimentados por diversos alimentos; nós formamos um só corpo, alimentado pelo mesmo pão. Por isso Paulo disse: «Todos participamos do mesmo pão». Se participamos todos do mesmo pão, se estamos unidos nele ao ponto de nos tornarmos um só corpo, porque é que não estamos unidos por um mesmo amor, estreitamente ligados pela mesma caridade?

Voltai a ler a história dos nossos antepassados na fé e encontrareis este quadro notável: «A multidão dos que abraçavam a fé tinham um só coração e uma só alma» (Ac 4,32). Mas, infelizmente, hoje não é assim. Nos nossos dias a Igreja oferece o espectáculo contrário; não vemos senão dolorosos conflitos, encarniçadas divisões entre irmãos... Estáveis longe dele, mas Cristo não hesitou em vos unir a ele. E agora vós não vos dignais imitá-lo para vos unirdes de todo o coração ao vosso irmão?... Por causa do pecado, os nossos corpos formados do pó da terra (Gn 2,7) tinham perdido a vida e estavam sob a escravatura da morte; o Filho de Deus juntou-lhe o fermento da sua carne, ele, livre de todo o pecado, numa plenitude de vida. E deu o seu corpo em alimento a todos os homens, para que, renovados pelo sacramento do altar, tenham todos parte na sua vida imortal e bem-aventurada.

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44. O sal da terra

Sermões sobre S. Mateus, nº 15

"Vós sois o sal da terra", diz o Salvador; mostra-lhes assim como são necessários todos os preceitos que acaba de enunciar. "A minha palavra, diz-lhes, não vos será confiada apenas para a vossa própria vida, mas para o mundo inteiro. Não vos envio a duas cidades, a dez ou a vinte, nem a um só povo, como outrora os profetas. Envio-vos à terra, ao mar, a toda a criação (Mc 16,15), a toda a parte onde o mal abunda".

Na verdade, ao dizer-lhes: "Vós sois o sal da terra", indicou-lhes que toda a natureza humana está insossa, corrompida pelo pecado; é pelo seu ministério que a graça do Espírito Santo regenerará e conservará o mundo. É por isso que lhes ensina as virtudes das Bem-Aventuranças, as que são mais necessárias, mas eficazes para eles, que se ocupam da multidão. Aquele que é manso, modesto, misericordioso, justo, não encerra em si mesmo as boas acções que realiza; preocupa-se que essas belas fontes jorrem também para o bem dos outros. Aquele que tem o coração puro, que é construtor da paz, que sofre perseguição pela verdade, eis a pessoa que consagra a sua vida ao bem dos outros.

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45. «Mas, então, quem pode salvar-se?»

Homilia sobre o devedor de dez mil talentos,3; PG 51, 21

Em resposta à pergunta que lhe fazia um homem rico, Jesus tinha revelado como se podia aceder à vida eterna. Mas a ideia de ter de abandonar as suas riquezas deixou este homem muito triste e ele foi-se embora. Então, Jesus declarou: «É mais fácil entrar um camelo pelo furo de uma agulha, do que entrar um rico no Reino de Deus». Por seu turno, Pedro aproxima-se de Jesus, ele que se despojou de tudo, renunciando à sua profissão e à sua barca, que já não possui nem um anzol, e põe esta pergunta a Jesus: «Mas, então, quem pode salvar-se?»

Repara, ao mesmo tempo, na reserva e no zelo deste discípulo. Ele não disse: «Ordenas o impossível, essa ordem é demasiado difícil, essa lei é demasiado exigente». Também não ficou em silêncio. Mas, não faltando ao respeito e mostrando quanto estava atento aos outros, disse: «Mas então, quem pode salvar-se?» É que muito antes de ser pastor, já ele tinha alma; antes de ser investido de autoridade..., já se preocupava com a terra inteira. Um homem rico teria provavelmente perguntado isso por interesse, por medo da sua situação pessoal e sem pensar nos outros. Mas Pedro, que era pobre, não pode ser suspeito de ter feito a sua pergunta por semelhantes motivos. É sinal de que se preocupava com a salvação dos outros, e que queria aprender do Mestre como se chega a ela.

Daí a resposta encorajadora de Cristo: «Para os homens isso é impossível, mas não para Deus». Quer Ele dizer: «Não penseis que vos deixo ao abandono. Eu próprio vos assistirei num assunto tão importante, e tornarei fácil o que é difícil».

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46. «A conversão de S. Paulo»

7ª Homilia sobre a conversão:
«A mim, que primeiro fui blasfemador e perseguidor…,
foi-me dada misericórdia» (1 Tim 1,13)

É preciso que tenhamos sempre presente no nosso espírito o quanto todos os homens são rodeados por tantas manifestações do mesmo amor de Deus. Se a justiça tivesse precedido a penitência, o universo teria sido aniquilado. Se Deus estivesse pronto para o castigo, a Igreja não teria conhecido o apóstolo Paulo; não teria recebido um homem assim no seu seio. É a misericórdia de Deus que transforma o perseguidor em apóstolo; é ela que muda o lobo em cordeiro, e que fez de um publicano um evangelista (Mt 9,9). É a misericórdia de Deus que, comovida com o nosso destino, nos transforma a todos; é ela que nos converte.

Ao ver o glutão de ontem pôr-se hoje a jejuar, o blasfemador de outrora falar de Deus com respeito, o infame de antigamente não abrir a boca a não ser para louvar a Deus, pode-se admirar esta misericórdia do Senhor. Sim irmãos, se Deus é bom para com todos os homens, é-o particularmente para com os pecadores.

Quereis mesmo ouvir algo de estranho do ponto de vista dos nossos hábitos, mas verdadeiro do ponto de vista da piedade? Escutai: ao passo que Deus se mostra exigente para com os justos, para com os pecadores não tem senão clemência e doçura. Que rigor para com os justos! Que indulgência para com o pecador! É esta a novidade, a inversão, que nos oferece a conduta de Deus… E eis porquê: assustar o pecador, sobretudo o pecador inveterado, seria privá-lo de toda a confiança, mergulhá-lo no desespero; lisonjear o justo, seria embotar o vigor da sua virtude, fá-lo-ia afrouxar no seu zelo. Deus é infinitamente bom! O seu temor é a salvaguarda do justo, e a sua clemência faz mudar o pecador.

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47. «O semeador semeia sem contar»

Homilia no regresso do exílio, sobre a cananéia

Hoje não persuadi o meu ouvinte, mas talvez o persuada amanhã, ou talvez dentro de três ou quatro dias. Às vezes, o pescador que em vão lançou as redes durante todo o dia apanha à noite, quando se vai embora, o peixe que não conseguiu pescar durante o dia. O lavrador não deixa de cultivar a terra mesmo que não obtenha grandes colheitas durante vários anos; por fim, é freqüente um só ano reparar, e com abundância, todas as perdas anteriores. […]

Deus não nos pede que tenhamos sucesso, mas que trabalhemos; ora, o nosso trabalho não será menos recompensado por não termos sido escutados. […] Cristo sabia perfeitamente que Judas não se converteria; e contudo, tentou convertê-lo até ao fim, censurando-lhe o seu pecado em termos comoventes: “Amigo, a que vieste?” (Mt 26, 50). Ora, se Cristo, que é o modelo dos pastores, trabalhou até ao fim pela conversão de um homem desesperado, quanto devemos fazer nós por aqueles por quem nos foi ordenado que esperemos sempre!

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48. «Não é daqueles que nos seguem»

3ª Homilia sobre a 1ª Carta aos Coríntios:
«As divisões fazem vacilar os pequenos»

“Que digais todos o mesmo, e que entre vós não haja divisões” (1 Co 1, 10). As diversas partes da Igreja deixam de estar completas quando uma delas sofre e morre. Se todas as Igrejas fossem, por si mesmas, um corpo completo, haveria numerosas assembléias e reuniões; mas ela forma um só corpo e a divisão destrói a sua unidade. […] Depois de ter denunciado este mal utilizando essa amarga palavra – “divisões” –, o Apóstolo Paulo amacia a sua linguagem ao acrescentar: “Sede perfeitos no mesmo espírito e no mesmo parecer”. Não se trata apenas de um acordo de palavras, mas de uma união de pensamento e de sentimentos.. E, como pode acontecer que as pessoas estejam unidas em determinado ponto, mas divididas noutros, Paulo insiste: “Estai unidos de maneira perfeita” […], sede perfeitos na caridade.

Podemos estar unidos em pensamento e divididos nas acções, ter uma mesma fé sem estar ligados por uma mesma caridade. Era o que se passava em Corinto, onde uns se ligavam a um mestre, outros a outro. Paulo não lhes censura as divergências na fé, mas as diferentes maneiras de agir, as rivalidades humanas […]: “Soube que entre vós há contendas. […] Estará Cristo dividido?” (1 Co 1, 12-13).

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49. «Ser fermento na massa»

Homilia 20 sobre os Atos dos Apóstolos

Há algo mais irrisório do que um cristão que não se preocupa com os outros? Não tomes como pretexto a tua pobreza: a viúva que pôs duas pequenas moedas na arca do tesouro (Mc 12,42) levantar-se-ia contra ti; Pedro também, ele que dizia ao coxo: “Não tenho ouro nem prata” (Ac 3,6), e Paulo, tão pobre que tinha muitas vezes fome. Não uses a tua condição social, pois os apóstolos também eram humildes e de baixa condição. Não invoques a tua ignorância, porque eles eram homens iletrados. Mesmo se tu eras escravo ou fugitivo, tu podias sempre fazer o que dependia de ti. Assim era Onésimo que Paulo elogiou. Serás tu de saúde frágil? Timóteo também o era. Sim, seja o que for que sejamos, não importa quem pode ser útil ao seu próximo, se ele quer verdadeiramente fazer o que ele pode.

Vês quantas árvores da floresta são vigorosas, belas, esbeltas? E contudo, nos jardins, preferimos árvores de fruto ou oliveiras cobertas de frutos. Belas árvores estéreis..., assim são os homens q ue apenas consideram o seu próprio interesse...

Se o fermento não levedasse a massa, não seria um verdadeiro fermento. Se um perfume não perfumasse os que estão perto, poderíamos chamá-lo de perfume? Não digas pois que é impossível teres uma boa influência sobre os outros, porque se és verdadeiramente cristão, é impossível que não se passe nada; isso faz parte da essência própria do cristão... Será tão contraditório dizer que um cristão não pode ser útil ao seu próximo como negar ao sol a possibilidade de iluminar e aquecer.

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50. «Da sua indigência, ela deitou tudo o que tinha para viver»

Sermão sobre o diabo tentador

Eis cinco caminhos da conversão: primeiro, a condenação dos nossos pecados; depois, o perdão concedido às ofensas do próximo; o terceiro consiste na oração; o quarto, na esmola; o quinto, na humildade. Não fiques, pois, inativo, mas toma cada dia todos estes caminhos. São caminhos fáceis e não podes apresentar como pretexto a tua miséria.

Pois, mesmo que vivas na maior pobreza, podes abandonar a tua cólera, praticar a humildade, rezar assiduamente e condenar os teus pecados; a tua pobreza não se opõe nada a isso. Uma vez que no caminho da conversão é preciso dar as suas riquezas, mesmo a pobreza não nos impede de cumprir este mandamento. Vemo-lo na viúva que deu as suas duas moedas.

Eis, pois, como curar as nossas feridas: apliquemos estes remédios. Regressados à verdadeira santidade, aproximar-nos-emos da mesa santa e, com muita glória, iremos ao encontro do Rei de Glória, Cristo. Ganhemos os bens eternos pela graça, a misericórdia e a bondade de Jesus Cristo Nosso Senhor.

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51. «Quem pode perdoar os pecado senão Deus?»

Homilias sobre S. Mateus, 29, 1-3)

"Trouxeram-lhe um paralítico". Os evangelistas contam que, depois de terem furado o teto, desceram o doente e depuseram-no diante de Cristo, sem nada pedir, deixando Jesus fazer o que quisesse. No início do seu ministério, em toda a Judéia, era ele quem dava os primeiros passos e não exigia uma fé tão grande; aqui são os outros que vêm a ele e foi-lhes necessária uma fé corajosa e viva: "Jesus, vendo a sua fé", diz o Evangelho, quer dizer, a fé dos que tinham transportado o paralítico... O doente também teria uma grande fé porque não se teria deixado transportar se não tivesse confiança em Jesus.

Perante tanta fé, Jesus mostra o seu poder e, com uma autoridade divina, perdoa os pecados ao doente, dando assim prova da sua igualdade com o Pai. Tinha já mostrado essa igualdade quando curou o leproso dizendo: "Quero, sê curado", quando acalmou o mar desencadeado e quando expulsou os demônios que nele reconheceram o seu soberano e o seu juiz... Aqui mostra-a primeiro sem espavento: não se tinha apressado a curar exteriormente os que lhe apresentavam. Começou por um milagre invisível; primeiro curou a alma do homem, perdoando-lhe os pecados. É certo que esta cura era infinitamente mais vantajosa para aquele homem, mas isso trazia pouca glória a Cristo. Então alguns, levados pela malvadez, quiseram prejudicá-lo; mas foram eles que, contra vontade, tornaram o milagre mais deslumbrante.

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52. «Ide vós, também, para a minha vinha»

Homilias sobre São Mateus

É bem evidente que esta parábola se dirige, ao mesmo tempo, tanto aos que são virtuosos desde a sua tenra idade, como aos que se tornam tais na sua velhice: aos primeiros para os preservar do orgulho e os impedir de censurarem os da hora undécima; aos segundos para lhes ensinar que podem merecer o mesmo salário em pouco tempo. O Salvador acabava de falar da renúncia às riquezas, do desprezo de todos os bens, de virtudes que exigem grande ânimo e coragem. Para tal, era preciso o fervor e a força de uma alma cheia de juventude; o Senhor, portanto, reacende neles a chama da caridade, fortalece os seus sentimentos e mostra-lhes que mesmo os últimos a virem recebem o salário de um dia inteiro…

Todas as parábolas de Jesus: as das virgens, da rede, dos espinhos, da árvore estéril, convidam-nos a manifestar a nossa virtude nas nossas ações. Fala pouco de dogmas, porque estes não exigem muito esforço. Mas fala freqüentemente da vida, ou antes, fala sempre, porque sendo a vida uma luta contínua, o esforço também resulta contínuo.

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«Cada um a seu tempo»

Homilia 64

"Ide, também vós, para a minha vinha". Irmãos, perguntais-vos talvez porque é que não se mandam vir ao mesmo tempo todos estes trabalhadores para a vinha do Senhor. Responder-vos-ei que o desígnio do Senhor foi chamá-los todos ao mesmo tempo. Mas eles não querem vir quando são chamados na primeira hora e isso tem a ver com a sua recusa. É por isso que o próprio Deus vem chamá-los em particular..., à hora em que pensava que eles se renderiam e responderiam ao seu convite.

É o que diz claramente o apóstolo Paulo a seu próprio respeito: "Quando aprouve a Deus, Ele separou-me no seio da minha mãe" (Ga 1,15). Quando é que isso aprouve a Deus, senão quando viu que Paulo se renderia ao seu apelo? Deus teria querido chamá-lo, com certeza, desde o princípio da sua vida, mas, porque Paulo não se teria rendido à sua voz, Deus tomou o partido de só o chamar quando viu que ele lhe responderia. Foi assim que Deus só chamou o bom ladrão na última hora, se bem que o pudesse ter feito mais cedo, se tivesse previsto que aquele homem se iria render ao seu apelo.

Portanto, se os trabalhadores da parábola dizem que ninguém os contratou, é preciso não nos esquecermos da paciência de Deus... Quanto a Ele, mostra claramente que fez tudo o que pôde para que todos pudessem vir desde a primeira hora do dia. Assim, a parábola de Jesus mostra-nos que os homens se entregam a Deus em idades muito diferentes. E Deus quer, a todo o custo, impedir os primeiros chamados de desprezar os últimos.


Fonte:

Evangelho Cotidiano

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