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Arcipreste George Florovsky
«São Gregório Palamas
e a Tradição dos Padres»
Tradução: Rev. Pedro Oliveira Junior
Conteúdo:
1. Seguindo os Padres…
2. A Mente dos Padres
3. O Caráter Existencial da Teologia Patristica
4. Significado da "Época" dos Padres
5. Legado da Teologia Bizantina
6. São Gregório Palamas e a Theosis
1. Seguindo os Padres…
ra
normal, na Igreja primitiva, se introduzir afirmações doutrinais por frases como
esta. O Decreto de Calcedônia abre precisamente com estas palavras. O Sétimo
Concílio Ecumênico introduz sua decisão a respeito dos Santos Ícones de maneira
mais elaborada: "Seguindo o ensinamento Divinamente inspirado dos Santos Padres
e a Tradição da Igreja Católica..." A didaskalia dos Padres é o formal e
normativo termo de referência.
Porém, isto era muito mais do que um
simples "apelo à Antigüidade." De fato, a Igreja sempre enfatizou a permanência
de sua fé através dos séculos, desde o princípio. Esta identidade, desde os
tempos apostólicos, é o sinal mais conspícuo e simbólico da fé correta — sempre
a mesma. No entanto, Antigüidade de per si não é prova adequada da verdadeira
fé. Além disso, a mensagem Cristã foi obviamente uma "novidade" chocante para o
"mundo antigo," e, de fato, uma chamada para uma radical "renovação." O "Velho"
tinha passado, e tudo tinha que ser "feito Novo." De outro lado, heresias podiam
também fazer apelo ao passado e invocar a autoridade de certas "tradições." Na
verdade, as heresias ficavam, com freqüência, persistindo no passado.[1]
Fórmulas arcaicas podem freqüentemente ser perigosamente enganadoras. Vincent de
Lerins estava plenamente consciente deste perigo. Será suficiente citar esta
patética passagem dele: "E agora, que surpreendente inversão de situação! Os
autores da mesma opinião são julgados católicos, mas os seguidores — heréticos;
os mestres são absolvidos, os discípulos são condenados; os escritores dos
livros serão filhos do Reino, seus seguidores irão para a Gehena" (Commonitorium,
capítulo 6). Vincent tinha em mente, por certo, São Cipriano e os Donatistas. O
próprio São Cipriano enfrentou a mesma situação. "Antigüidade" como tal pode
acontecer ser simplesmente um inveterado prejuízo: "nam antiquitas sine veritate vetustas erroris est (Epístola 74). Quer
dizer — Antigüidade sem verdade é um erro antigo, ou seja, "velhos costumes" em
si não garantem a verdade. "Verdade" não é um simples "hábito".
A verdadeira tradição só é tradição da verdade, traditio veritatis. Esta
tradição, segundo São Irineu, é baseada em, e assegurada por, aquele charisma
veritatis certum (carisma seguro da verdade), que foi "depositado" na Igreja
desde do inicio desta e que foi preservado pelo ininterrupto ministério
episcopal. "Tradição" na Igreja não é a continuidade da memória humana, ou a
permanência de ritos e hábitos. É uma tradição viva — depositum juvenescens,
na frase de São Irineu. Conseqüentemente, ela não pode ser considerada inter mortuas regulas[entre regras mortas]. Finalmente, a tradição é a presença
permanente do Espírito Santo na Igreja, a continuidade do Divino direcionamento
e iluminação. A Igreja não é limitada pela "letra." Ao invés, ela é movida
constantemente pelo "Espírito." O mesmo Espírito, o Espírito de Verdade, Que
"falou pelos Profetas," Que guiou os Apóstolos, ainda está continuadamente
guiando a Igreja na sua total compreensão e entendimento da Divina verdade, de
glória em glória.
"Seguindo os Santos Padres"... Isto não é uma referência a alguma tradição
abstrata em fórmulas e proposições. É principalmente um apelo para um santo
testemunho. Na verdade, nós apelamos para os Apóstolos, e não simplesmente para
uma "Apostolicidade" abstrata. De maneira similar nós nos referimos aos Padres.
O testemunho dos Padres se refere, intrínseca e integralmente, para a própria
estrutura da crença Ortodoxa. A Igreja está igualmente comprometida com o
kerygma dos Apóstolos e com os dogmas dos Padres. Devemos citar neste ponto um
admirável hino antigo (provavelmente da lavra de São romano o Melódio).
"Preservando o kerygma dos apóstolos e o dogma dos Padres, a Igreja selou a fé
una e usando a túnica da verdade ela forma justamente o brocado da teologia
celeste e louva o grande mistério da piedade." [2]
2. A mente dos Padres
A Igreja é, de fato, Apostólica. Mas
ela é também "Patrística." Ela é, intrinsecamente, "a Igreja dos Padres." Estas
duas "posições" não podem ser separadas. Somente por ser "Patrística" a Igreja é
verdadeiramente "Apostólica." O testemunho dos Padres é muito mais do que um
simples atributo histórico, uma voz do passado. Citemos um outro hino — do
oficio dos Três Hierarcas. "Pela palavra do conhecimento vós compusestes os
dogmas que os pescadores primeiro estabeleceram em simples palavras, com o
conhecimento dado pelo poder do Espírito, pois assim nossa simples piedade teve
que adquirir composição." Existem, como se fossem, dois estágios básicos na
composição na proclamação da fé Cristã. "Nossa fé simples teve que adquirir
composição." Existiu uma compulsão interna, uma lógica interior, uma necessidade
interior, nesta transição de kerygma para dogma. Na verdade, o ensinamento dos
Padres, e os dogmas da Igreja, são ainda a "simples mensagem," que foi então
liberada e depositada, de uma vez por todas, pelos Apóstolos. Mas agora está,
como se fosse, própria e perfeitamente articulada. A pregação Apostólica é
mantida viva na Igreja, não simplesmente preservada. Neste sentido, o
ensinamento dos Padres é uma categoria permanente de existência Cristã, uma
constante e definitiva medida do critério da fé correta. Os Padres não são
somente testemunhas da fé antiga, testes antiquitatis. Ao invés,
eles são testemunhas da verdadeira fé, testes veritatis. A "mente dos Padres" é
um termo intrínseco de referência da teologia Ortodoxa, não menos que as
palavras da Santa Escritura, e na verdade, nunca separada dela. Como foi dito
muito bem, "a Igreja Católica de todos os tempos não é meramente uma filha da
Igreja dos Padres — ela é e permanece a Igreja dos Padres." [3]
3. O caráter existencial da teologia patristica
A marca distintiva principal da
Teologia Patrística foi seu caráter "existencial," se nós podemos usar este
neologismo atual. Os Padres "teologizaram," como São Gregório de Nazianzo
coloca, "na maneira dos Apóstolos, e não na maneira de Aristóteles" — αλιευτικωςριστοτελικως
(Hom. 23. 12). Sua teologia era ainda uma "mensagem," um kerygma. A teologia
deles ainda era uma "teologia kerigmática," ainda que ela, freqüentemente, fosse
arranjada logicamente e suprida com argumentos intelectuais. As referências
definitivas eram ainda, segundo a visão da fé, ao conhecimento e experiência
espiritual. Separada da vida, a teologia Cristã não leva convicção, e se
separada da vida da fé, a teologia pode degenerar em dialética vazia, numa vã
polylogia, sem nenhuma conseqüência espiritual. A teologia Patrística era
enraizada existencialmente no decisivo comprometimento da fé. Não era uma
disciplina "auto-explanatória" que poderia ser apresentada argumentativamente,
isto é aristotelicamente, sem nenhum compromisso espiritual prévio. Na época da
disputa teológica e de debates incessantes, os grandes Padres Capadócios
protestaram formalmente contra o uso da dialética, dos "silogismos
Aristotélicos," e lutaram para referir a teologia de volta para a visão da fé. A
teologia Patrística só poderia ser "pregada" ou "proclamada" — pregada do
púlpito, proclamada também nas palavras das orações e dos ritos sagrados, e
assim manifestada na estrutura total da vida Cristã. Teologia deste tipo não
pode nunca ser separada da vida de oração e do exercício das virtudes. "O clímax
da pureza é o inicio da teologia," como coloca São João Clímaco: τελος δε αγνειας
υποθεσις θεολογιας (Scala Paradisi, grau 30).
De outro lado, teologia deste tipo é
sempre "propedêutica" já que seu último objetivo e propósito é procurar e
reconhecer o Mistério do Deus Vivo, e, de fato, ser testemunha disto, em
palavras e atos. "Teologia" não é um fim em si. Ela é sempre somente um caminho.
Teologia, e até os "dogmas" não são mais do que um "contorno intelectual" da
verdade revelada, e um testemunho "noético" dela. Somente em um ato de fé este
contorno é preenchido com conteúdo. Formulas Cristológicas são significativas
somente para aqueles que encontraram o Cristo Vivo, e receberam um conhecimento
Dele como Deus e Salvador, e por fé,estão habitando Nele, em Seu Corpo, na
Igreja. Neste sentido a teologia nunca é uma disciplina auto-explanatória. Ela
está constantemente apelando para a visão da fé. "O que nós vimos e ouvimos nós
anunciamos para vós." Separadas deste "anuncio" as fórmulas teológicas são
vazias e sem conseqüência. Pela mesma razão, estas fórmulas nunca podem ser
tomadas "abstratamente," isto é, fora do contexto total da crença. É
desorientador individualizar afirmações particulares dos Padres, e destacá-las
da perspectiva total da qual elas foram, realmente, proferidas, assim como é
desorientadora a manipulação com citações individualizadas das Escrituras. É um
hábito perigoso "citar os Padres," isto é, seus ditos e frases isoladas, fora
daquela colocação concreta da qual só eles têm o total e apropriado significado
e estão verdadeiramente vivos. "Seguir" os Padres, não significa simplesmente
"citá-los." "Seguir" os Padres significa adquirir sua "mente," o phronema deles.
4. O significado da «Época» dos Padres
Agora nós atingimos o ponto crucial. O
nome "Igreja dos Padres" é normalmente restrito aos professores ou doutores da
Igreja Antiga. E atualmente é assumido que a autoridade deles depende de sua "antigüidade,"
de sua proximidade relativa da "Igreja Primitiva" , da "Época" inicial da
Igreja. Já São Jerônimo teve que contestar esta idéia. De fato, não houve
decréscimo de "autoridade" nem nenhum decréscimo de competência e conhecimento
espiritual, no curso da história Cristã. Na verdade, porém, esta idéia de
"decréscimo" afetou fortemente o pensamento teológico moderno, porque é, com
freqüência, assumida a Igreja Primitiva como mais próxima da fonte da verdade.
Como admissão da nossa própria falha e inadequação, como um ato de humilde
auto-crítica, tal assunção é saudável e útil. Mas é perigoso fazer disto um
ponto de partida ou mesmo a origem da nossa "teologia da história da Igreja," ou
mesmo da nossa teologia da Igreja, porque a Época dos Apóstolos deve reter esta
posição única. No entanto, ela foi simplesmente um começo. É largamente assumido
que a "Época dos Padres" também terminou, e de acordo com esta idéia ela é
encarada como simplesmente uma formação antiga, "antiquada" em certo sentido, e
"arcaica." O limite da Época Patrística é definido variadamente. É normal se
olhar para São João Damasceno como o "último Padre" no Oriente, e São Gregório
Dialoguista ou São Isidoro de Sevilha como os "últimos" no Ocidente. Esta
periodização tem sido contestada corretamente nos últimos tempos. Não deveria,
por exemplo, ao menos São Teodoro o Estudita, ser incluído entre os "Padres"?
Mabillon sugeriu que Bernardo de Claraval, o Doutor melífluo, foi o "último" dos
Padres, e seguramente não desigual aos anteriores. [4] Na verdade, é mais do que
uma questão de periodização. Do ponto de vista Ocidental "a Época dos Padres"
foi sucedida, e mesmo trocada pela "época dos Eruditos"que foi um passo adiante
essencial. Desde o surgimento do Escolasticismo a "teologia Patrística" ficou
antiquada, se tornou realmente "época passada," uma espécie de prelúdio arcaico.
Este ponto de vista, legitimado pelo Ocidente, tem sido, mui infelizmente,
aceito também por muitos no Oriente, cegamente e sem crítica. Coerentemente,
tem-se que enfrentar uma de duas alternativas. Ou se lamenta o "atraso" do
Oriente que nunca desenvolveu um Escolasticismo próprio. Ou se retirar para a
"Época Antiga," de maneira mais ou menos arqueológica, e praticar o que tem sido
descrito astutamente como a "teologia da repetição." Esta última posição é, na
verdade, simplesmente, uma forma peculiar de "escolasticismo" imitativo.
Hoje em dia, não é raro que seja
sugerido que, provavelmente, "a Época dos Padres" tenha terminado muito antes de
São João Damasceno. Muito freqüentemente, não se vai além da Época de
Justiniano, ou então do Conselho de Calcedônia. Não foi Leôncio de Bizâncio, já
o "primeiro dos Escolásticos" ? Psicologicamente, esta atitude é bastante
compreensível, apesar de não poder ser justificada teologicamente. De fato, os
Padres do Quarto Século são muito mais impressionantes, e sua grandeza única não
pode ser negada. No entanto, a Igreja permaneceu completamente viva também
depois de Nicéia e Calcedônia. A atual super ênfase nos "primeiros cinco
séculos," distorce perigosamente a visão teológica, e impede o correto
entendimento do próprio dogma de Calcedônia. O decreto do Sexto Concilio
Ecumênico é freqüentemente visto como um "apêndice" de Calcedônia, interessando
só aos especialistas teológicos, e a grande figura de São Máximo o Confessor é
quase que completamente ignorada. Coerentemente, o significado teológico do
Sétimo Concílio Ecumênico é perigosamente obscurecido. E se fica pensando,
porque a Festa da Ortodoxia deveria se relacionar com a comemoração da vitória
da Igreja sobre os Iconoclastas. Não foi ela uma controvérsia simplesmente
"ritualística" ? Nós freqüentemente esquecemos que a famosa fórmula do Consensus Quinquaesecularis [acordo dos cinco séculos], o que significa até
Calcedônia, foi uma fórmula Protestante, e reflete uma peculiar "teologia da
história" Protestante. Foi uma fórmula restritiva, apesar dela ter parecido
bastante inclusiva para aqueles que queriam se afastar da Época Apostólica. A
questão é, no entanto, que a atual fórmula Oriental dos "Sete Concílios
Ecumênicos," não é muito melhor, se ela tender, como quase sempre o faz, a
restringir ou limitar a autoridade espiritual da Igreja aos oito primeiros
séculos, como se a "Idade Dourada" do Cristianismo tivesse passado, e nós
estivéssemos agora, já, provavelmente, na Idade de Ferro, muito mais baixos na
escala do vigor e autoridade espirituais. Nosso pensamento teológico foi
perigosamente afetado pelo padrão de decaimento, adotado pela interpretação da
história Cristã no Ocidente desde a Reforma. A plenitude da Igreja foi então
interpretada de maneira estática, e a atitude para com a Antiguidade tem sido,
correspondentemente, distorcida e mal construída. Finalmente, não faz diferença
se nós restringimos a autoridade normativa da Igreja a um, cinco ou oito
séculos. Não deveria haver nenhuma restrição. Conseqüentemente, não há espaço
para qualquer "teologia de repetição." A Igreja ainda é completamente
autoritativa como ela foi nos tempos passados, já que o Espírito de Verdade a
vivifica agora não menos efetivamente do que no passado.
5. O legado da teologia bizantina
Um dos resultados da nossa descuidada
periodização é que nós simplesmente ignoramos o legado da teologia Bizantina.
Estamos preparados, agora mais do que há algumas décadas atrás, a admitir a
autoridade perene "dos Padres," especialmente a partir do renascimento dos
estudos Patrísticos no Ocidente. Mas ainda tendemos a limitar o escopo da
admissão, e obviamente "teólogos Bizantinos" não são prontamente contados entre
os "Padres." Estamos inclinados a discriminar bastante rigidamente entre
"Patrística" — em um sentido mais ou menos estreito — e "Bizantinismo." Ainda
estamos inclinados a olhar o Bizantinismo como uma conseqüência inferior da
Época Patristica. Ainda temos dúvidas sobre a relevância normativa para o
pensamento teológico. Porém, a teologia Bizantina foi muito mais do que uma
simples "repetição" da teologia Patristica, e nem o que foi novo nela foi de
qualidade inferior em comparação com a "Antiguidade Cristã." Na verdade, a
teologia Bizantina foi uma continuação orgânica da Época Patrística. Houve
qualquer interrupção? O ethos da Igreja Ortodoxa Oriental foi alguma vez mudado,
em algum ponto histórico ou data, que, no entanto, nunca foi unanimemente
identificado, de modo que os últimos desenvolvimentos fossem de menor autoridade
e importância, que qualquer outro? Esta admissão parece estar silenciosamente
implicada nos compromissos restritivos dos Sete Concílios Ecumênicos. Então São
Simeão o Novo Teólogo e São Gregório Palamas são simplesmente deixados de fora,
e os grandes Concílios Hesicastas do século quatorze são ignorados e esquecidos.
Qual é a posição e autoridade deles na Igreja?
Porém, de fato, São Simeão e São
Gregório são ainda mestres e inspiradores autoritativos de todos aqueles que, na
Igreja Ortodoxa, estão lutando pela perfeição, e estão vivendo a vida de oração
e contemplação, seja nas comunidades monásticas sobreviventes, ou na solidão dos
desertos, ou até mesmo no mundo. Estas pessoas fiéis não estão cientes de
nenhuma alegada "quebra" entre "Patristica" e "Bizantinismo." A Philokalia, esta
grande enciclopédia da piedade Oriental, que inclui escritos de muitos séculos,
está, em nossos dias, crescentemente se tornando o manual de guia e instrução
para todos aqueles que estão desejosos de praticar a Ortodoxia em nossa situação
contemporânea. A autoridade do compilador da Philokalia São Nicodemos da Santa
Montanha, foi recentemente reconhecido e melhorado por sua formal canonização na
Igreja. Neste sentido, somos levados a dizer, "a Época dos Padres" ainda
continua na "Igreja Venerante." Não deveria continuar também na nossa busca e
estudo teológicos, pesquisas e instrução? Não deveríamos recuperar a "mente dos
Padres" também em nosso pensamento e ensinamento teológico? Recuperá-la, de
fato, não como uma maneira ou pose arcaica, e não simplesmente como uma
venerável relíquia, mas como uma atitude existencial, como uma orientação
espiritual. Somente desta maneira pode a nossa teologia se reintegrar na
plenitude de nossa existência Cristã. Na é suficiente manter uma "Liturgia
Bizantina," como fazemos, restaurar a iconografia Bizantina e a música
Bizantina, como ainda estamos relutando em fazer consistentemente, e praticar
certas maneiras Bizantinas de devoção. Tem-se que ir para as próprias raízes
desta tradicional "piedade," e recuperara a "mente Patristica." De outra forma
poderemos estar em perigo de ficarmos divididos internamente — como muitos em
nosso meio estão na verdade — entre as formas "tradicionais" de "piedade" e um
hábito muito não-tradicional de pensamento. É um perigo real. Como "reverenciadores"
nós estamos ainda na "tradição dos Padres." Não deveríamos estar, consciente e
declaradamente, na mesma tradição também como "teólogos," como testemunhas e
professores de Ortodoxia? Poderemos manter nossa integridade de alguma outra
forma?
6. São Gregório Palamas e a «theosis»
Todas estas considerações preliminares
são altamente relevantes para nosso propósito imediato. Qual é o legado
teológico de São Gregório Palamas? São Gregório não era um teólogo especulativo.
Era um monge e um bispo.Ele não estava preocupado com problemas abstratos de
filo, apesar dele ser bem treinado neste campo também. Ele só se
interessava por problemas da existência Cristã. Como teólogo, ele era
simplesmente um intérprete da experiência espiritual da Igreja. Quase todos os
seus escritos, exceto provavelmente suas homilias, foram escritos ocasionais.
Ele esteve lutando com problemas do seu próprio tempo. E foi um tempo crítico,
uma época de controvérsia e ansiedade. Porém, foi também uma época de renovação
espiritual.
São Gregório ficou suspeito de
inovações subversivas por parte de seus inimigos ainda na sua própria época.
Esta acusação ainda é mantida contra ele no Ocidente. Mas, no entanto, São
Gregório estava profundamente enraizado na tradição. Não é difícil rastrear a
maioria de suas maneiras de ver e motivos para trás até os Padres Capadócios e
São Máximo o Confessor, que era, por sinal, um dos mestres mais populares do
pensamento e devoção Bizantinos. Além disto, São Gregório também estava
profundamente informado sobre os escritos do Pseudo-Dinis. Ele estava enraizado
na tradição. Porém, de maneira nenhuma, era a sua teologia simplesmente uma
"teologia de repetição." Ela foi uma extensão criativa da tradição antiga. Seu
ponto-de-partida foi Vida em Cristo.
De todos os temas da teologia de São
Gregório, destaquemos somente um, o crucial, e o mais controverso. Qual é o
caráter básico da existência Cristã? O objetivo e propósito final da vida humana
foi definido pela tradição Patristica como a θεωσις [theosis, divinização]. O
tema é bastante ofensivo ao ouvido humano moderno. Ele não pode ser
adequadamente traduzido em nenhuma língua moderna, nem mesmo em latim. Mesmo em
grego ele é muito pesado e pretensioso. Na verdade, é uma palavra desafiadora. O
significado da palavra, no entanto é simples e lúcido. Foi um dos termos
cruciais no vocabulário Patristico. Basta, neste ponto, citar Santo Atanásio.
Ele Se tornou homem para nos divinizar em Si próprio. [Γεγονεν γαρ ανθρωπος, ιν
ημας εν εαυτω θεοποιηση (Ad Adelphium 4)]. Ele Se tornou homem para que nós
pudéssemos ser divinizados. [αυτος γαρ ενηνθρωπησεν, ινα ημεις θεοποιηθωμεν (De
Incarnatione 54)]. Santo. Atanásio, na verdade, resume aqui a idéia favorita de
Santo Irineu: qui propter immensam dilectionem suam factus est quod sumus nos,
uti nos perficeret esse quod est ipse. [Que, através do Seu imenso amor, Se
tornou o que nós somos, para que Ele pudesse nos levar, até mesmo, para o que
Ele próprio é (Adv. Haeres. V, Praefatio)]. Esta era a convicção comum dos
Padres gregos. Pode-se citar São Gregório de Nazianzo, São Gregório de Nissa,
São Cirilo de Alexandria, São Máximo, e ainda São Simeão o Novo Teólogo. O homem
sempre permanece o que é, isto é — criatura. Mas ele recebeu a promessa e
concessão, pelo Verbo ter Se tornado homem, de uma participação íntima no que é
Divino: Vida Eterna e incorruptível. A principal característica da theosis é, de
acordo com os Padres, precisamente a "imortalidade" ou "incorrupção." Pois só
Deus "tem imortalidade" — ο μονος εχων αθανασιαν (I Tim. 6:16). Mas o homem é
agora admitido numa íntima "comunhão" com Deus, através de Cristo e pelo poder
do Espírito Santo. E isto é muito mais que simplesmente uma comunhão "moral," e
muito mais que simplesmente que uma perfeição moral. Somente a palavra theosis
pode traduzir adequadamente o caráter único da promessa e da oferta. O termo
theosis é, na verdade muito embaraçador, se nós pensarmos em categorias
"ontológicas." Na verdade, o homem simplesmente não pode "se tornar" deus. Mas
os Padres estiveram pensando em termos "pessoais," e o mistério da comunhão
pessoal estava envolvido neste ponto. Theosis significava um encontro pessoal. É
o intercurso íntimo de Deus como o homem, no qual o todo da existência humana
fica, como se fosse, permeado pela Presença Divina. [5]
Porém, o problema permanece: Como pode
mesmo este intercurso ser compatível com a Transcendência Divina? E este é o
ponto crucial. O homem realmente encontra Deus, verdadeiramente e de fato, nesta
vida presente de oração? Ou, não há mais do que um actio in distans? A alegação
comum dos Padres do Oriente era que, na sua ascensão devocional, o homem, de
fato, encontra Deus e contempla a Sua eterna Glória. Porém, como é possível, se
Deus habita na "Sua luz inaproximável"? O paradoxo era extremamente profundo na
teologia Oriental, que estava sempre comprometida com a crença de que Deus era
absolutamente incompreensível — ακαταληπτος — e incognoscível na Sua natureza ou
essência. Esta convicção foi poderosamente expressa pelos padres Capadócios,
especialmente na sua luta contra Eunomius, e também por São João Crisóstomo, em
seus magníficos discursos. Περι Ακαταληπτου. Assim, se Deus é absolutamente "
inaproximável" em Sua essência, e de acordo com Sua essência simplesmente não
pode ser "comunicado," como pode, de todo, a theosis ser possível? "Insulta-Se
Deus se se procura compreender Seu Ser essencial," diz João Crisóstomo. Já em
Santo Atanásio nós encontramos uma clara distinção entre a própria "essência" de
Deus e Seus poderes e generosidade: [Ele está em tudo por Seu amor, mas antes de
tudo por Sua própria natureza [Και εν πασι μεν εστι κατά την εαυτου αγαθοτητα,
εξω δε των παντων παλιν εστι κατά τηνιδιαν φυσιν (De Decretis II)]. A mesma
concepção foi cuidadosamente elaborada pelos Capadócios. A "essência de Deus" é
absolutamente inacessível para o ser humano, diz São Basílio (Adv. Eunomium
1:14). Nós conhecemos Deus somente em Suas ações, e por Suas ações: [Nós dizemos
que nós conhecemos nosso Deus por Suas energias (atividades), mas nós não
professamos ser possível aproximar-se de Sua essência — pois Suas energias
descem até nós, mas Sua essência permanece inacessível [Ημεις δε εκ μεν των ενεργειων
γνωριζειν λεγομεν τον Θεον ημων, τη δε ουσια προσεγγιζειν ουχ υπισχνουμεθα αι
μεν γαρ ενεργειαι αυτου προς ημας καταβαινουσιν, η δε ουσια αυτου μενει
απροσιτος Epist. 234, ad Amphilochium)]. Porém, isto é um verdadeiro
conhecimento não simplesmente uma conjectura ou dedução: αι ενεργειαι αυτου προς
ημας καταβαινουσιν. Na frase de São João Damasceno, estas ações ou "energias" de
Deus são a verdadeira revelação do próprio Deus: η θεια ελλαμψις και ενεργεια
(De Fide Orth. 1: 14). É uma presença real, e não simplesmente uma certa
praesentia operativa, sicut agens adest ei in quod agit [como o ator está
presente na coisa em que ele age]. Este modo misterioso da Presença Divina,
apesar da absoluta transcendência da Divina Essência, ultrapassa todo
conhecimento. Mas não é menos certo por isto.
São Gregório Palamas permanece na
antiga tradição neste ponto. Em Suas "energias" o Deus inaproximável Se aproxima
do homem. E este movimento Divino efetua encontros: προοδος εις τα εξω, na frase
de São Máximo (Scholia in De Div. Nom. 1: 5).
São Gregório começa com a distinção
entre "graça" e "essência": a Divina e Divinizadora iluminação e graça não é a
essência, mas a energia de Deus; [η θεια και θεοποιος ελλαμψις και χαρις ουκ
ουσια, αλλ’ ενεργεια εστι Θεου; Capita Phys., Theol., etc., 68-9]. Esta
distinção básica foi formalmente aceita e elaborada nos Grandes Concílios de
Constantinopla de 1341 e 1351. Aqueles que negassem esta distinção eram
anatematizados e excomungados. Os anátemas de 1351 foram incluídos no rito do
Domingo da Ortodoxia no Triódio. Os teólogos Ortodoxos foram obrigados por esta
decisão. A essência de Deus é absolutamente incomunicável [αμεθεκτη]. A fonte e
poder da theosis humana não é a Divina essência, mas a "Graça de Deus": a
energia divinizadora, por participação daquele que é divinizado, é uma graça
divina, mas de modo algum a essência de Deus; [θεοποιος ενεργεια, ης τα μετεχοντα
θεουνται, θεια τις εστι χαρις, αλλ’ ουχ η φυσις του Θεου ibid. 92-3]. Charis
[χαρις] não é idêntica com a ousia [ουσια]. É a Divina e incriada Graça e
Energia; [θεια και ακτιστος χαρις και ενεργεια ibid 69]. Esta distinção, no
entanto, não implica em ou efetua divisão ou separação. Nem é um simples
"acidente," ουτε συμβεβηκοτος (ibid., 127). As Energias "procedem" de Deus e
manifestam Seu próprio Ser. O termo προιεναι [proienai, proceder] simplesmente
sugere διακρισιν [diakrisin, distinção], mas não uma divisão: a graça do
Espírito é diferente da Substância, porém não é separada Dela; [ει και διενηνοχε
της φυσεως, ου διασπαται η του Πνευματος χαρις; Theophan, p. 940].
Na verdade todo ensinamento teológico
de São Gregório pressupõe a ação do Deus Pessoal. Deus Se move para o homem e o
abraça por Sua própria "graça" ou "ação," sem deixar aquela luz inaproximável
[φος απροσιτον], na qual Ele habita eternamente. O propósito definitivo da
teologia de São Gregório foi defender a experiência Cristã. Salvação é mais do
que perdão. É uma genuína renovação do homem. E esta renovação é efetuada não
por descarga ou liberação, de certas energias naturais implicadas no próprio ser
criado do homem, mas pelas "energias" do próprio Deus, que ai encontra e envolve
o homem, e o admite em comunhão conSigo. De fato, o ensinamento de São Gregório
afeta o sistema todo de teologia, o corpo todo da Doutrina Cristã. Ele começa
com a clara distinção entre "natureza" e "vontade" de Deus. Esta distinção
também era característica da tradição Oriental, ao menos desde Santo Atanásio.
Neste ponto pode-se perguntar: esta distinção é compatível com a "simplicidade
de Deus" ? Não deveríamos ver todas estas distinções como meras conjecturas
lógicas, necessárias para nós, mas definitivamente sem nenhum significado
ontológico? De fato, São Gregório foi atacado por seus oponentes precisamente
deste ponto-de-vista. O Ser de Deus é simples, e Nele, inclusive, todos os
atributos coincidem. Já Santo Agostinho divergiu neste ponto da tradição do
Oriente. Sob as pressuposições de Santo Agostinho o ensinamento de São Gregório
é inaceitável e absurdo. O próprio São Gregório antecipou a abrangência das
implicações da sua distinção básica. Se não se aceita ela, ele argumentou, então
seria impossível distinguir claramente entre a "geração" do Filho e a "criação"
do mundo, sendo ambos atos da essência, e isto conduziria a uma completa
confusão na doutrina Trinitária. São Gregório foi bastante formal neste ponto.
Se, de acordo com os oponentes
delirantes e com aqueles que concordam com eles, a Divina energia não difere de
modo algum da Divina essência, então o ato de criar, que pertence à vontade, não
diferirá de modo algum da geração (γενναν) e da processão (εκορευειν), que
pertence à essência. Se criar não é diferente de geração e processão, então as
criaturas não diferenciariam de maneira nenhuma do Gerado (γεννηματος) e do
Projetado (οβληματος). E se este é o caso, de acordo com eles, então ambos, o
Gerado e o Projetado não seriam, de modo algum, diferentes das criaturas, e as
criaturas seriam tanto os gerados (γεννηματα) quanto os projetados (ροβληματα)
de Deus Pai, e a criação seria deificada e Deus estaria revestido de criaturas.
Por esta razão o venerável Cirilo, mostrando a diferença entre a essência e a
energia de Deus, diz que a geração pertence à Divina natureza, enquanto a
criação pertence às Suas Divinas energias. Isto ele mostra claramente dizendo:
"natureza e energia não são o mesmo." Se a Divina essência de modo algum difere
das Divinas energias, então gerar (γενναν) e projetar (εκρευειν) nγo tem
diferença com criar (οιειν). Deus o Pai cria pelo Filho e no Espνrito Santo.
Então Ele também gera e projeta pelo Filho e no Espírito Santo, de acordo com a
opinião dos oponentes e daqueles que concordam com eles. (Capita 96 e 97).
São Gregório cita São Cirilo de
Alexandria. Mas São Cirilo, neste ponto, estava simplesmente repetindo Santo
Atanásio. Este, em sua refutação do Arianismo, enfatizou formalmente a diferença
entre ουσια [essκncia] e φυσις [substβncia], de um lado e a βουλησις (vontade)
do outro. Deus existe, e então Ele também age. Há uma certa "necessidade" no Ser
Divino, na verdade não uma necessidade de compulsão, e não fatum, mas uma
necessidade do Ser em Si. Deus simplesmente é o que é. Mas a vontade de Deus é
eminentemente livre. Em nenhum sentido, Ele é necessitado de fazer o que Ele
faz. Assim γεννησις [geraηão] é sempre κατάφυσιν [de acordo com a essκncia], mas
criação é uma βουλησεοςεργον [energia da vontade] (Contra Arianos III. 64-6).
Estas duas dimensões, esta de ser e aquela de agir, são diferentes e devem ser
claramente distinguidas. Por certo, esta distinção não compromete, de modo
algum, a Divina "simplicidade." Porém, é uma distinção real, e não simplesmente
um dispositivo lógico. São Gregório estava completamente consciente da crucial
importância desta distinção. Neste ponto ele era um verdadeiro sucessor do
grande Santo Atanásio e dos Hierarcas Capadócios.
Foi recentemente sugerido que a
teologia de São Gregório, deveria ser descrita, em termos modernos, como uma
"teologia existencialista." Porém, ela difere radicalmente dos conceitos
modernos que são atualmente cunhados com este rótulo. Na verdade, de toda forma,
São Gregório foi definitivamente oposto a todos os tipos de "teologias
essencialistas" que falham em considerar a liberdade de Deus, o dinamismo da
vontade de Deus, a realidade da ação Divina. São Gregório rastrearia sua
tendência para trás até Orígenes. Esta era a situação difícil da metafísica
impessoal grega. Se há qualquer espaço para uma metafísica de todo Cristã, ela
tem que ser uma metafísica de pessoas. O ponto inicial da teologia de São
Gregório foi a história da salvação: em escala maior, a história das Escrituras,
que consiste em atos Divinos, culminando com a Encarnação do Verbo e Sua
glorificação através da Cruz e Ressurreição; na escala menor, a história do
homem Cristão lutando pela perfeição, e ascendendo passo-a-passo, até encontrar
Deus na visão de Sua glória. Era normal descrever a teologia de São Irineu como
uma "teologia de fatos." Com não menos justificativa nós devemos descrever
também a teologia de São Gregório Palamas como uma "teologia de fatos".
No nosso tempo, nós estamos chegando
cada vez mais à convicção de que a "teologia de fatos" é a única teologia
Ortodoxa sã. Ela é Escriturística. Ela é Patristica. Ela está em completa
conformidade com a mente da Igreja.
Em relação a isto, nós devemos encarar São Gregório Palamas como nosso guia e
professor, em nosso esforço por teologizar do ponto-de-vista do coração da
Igreja.
Mais de São Gregório Palamàs, em SOPHIA.
Notas
1. Tem sido sugerido recentemente que
os Gnósticos foram, de fato, os primeiros a invocar formalmente a autoridade
de uma "Tradição Apostólica," e que foi este uso por eles que moveu São Irineu
a elaborar seu próprio conceito de tradição. D. B. Reynders "Paradosis: Le
proges de l'idee de tradition jusqu'a Saint Irenee," em Recherches de
Theologie ancienne et medievale, V (1933), Louvain, 155-191. Em todo caso, os
Gnósticos costumavam se referir à «Tradição».
2. Paul Maas, ed.. Fruhbyzantinische
Kirchenpoesie, I (Bonn, 1910), p. 24.
3. Louis Bouyer, "Le renouveau des
etudes patristiques," em La Vie Intellectuelle, XV (Fevereiro 1947), 18.
4. Mabillon, Bernardi Opera, Praefatio
generalis, n. 23 (Migne, P. L., CLXXXII, c. 26).
4. Cf. M. Lot-Borodine, "La doctrine de
la deification dans I'Eglise grecque jusqu'au XI siecle," in Revue de
l'histoire des religions, tome CV, Nr I (Janeiror-Fevereiro 1932), 5-43; tome
CVI, Nr 2/3 (Setembro-Dezembro 1932), 525-74; tome CVII, Nr I
(Janeiro-Fevereiro 1933), 8-55.
6. Do Capítulo 7 do The Collected Works
of Georges Florovsky, Vol. I, Bible, Church, Tradition: An Eastern Orthodox
View (Vaduz, Europa: Buchervertriebsanstalt, 1987), pp. 105-120. Este clássico
está agora fora de publicação, porém ainda disponível.
Fonte:
Folheto
Missionário da Holy Trinity Orthodox Mission
466 Foothill Blvd, Box 397, La Canada, Ca 91011
Redator: Bispo Alexandre Mileant
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