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O Antigo Testamento na «Igreja do
Novo Testamento»

Protopresbítero Michael Pomazansky
Trad. por Dra. Rosita Diamantopoulos

Conteúdo:

  1. Introdução
  2. De acordo com os mandamentos do Salvador e dos Apóstolos
  3. Usando o Antigo Testamento
  4. Entendeu o que leu?
  5. Porque é necessário conhecer o Antigo Testamento
  6. Sob a orientação da Igreja
  7. A inspiração divina das Escrituras
  8. Narrativa da Criação do Mundo
  9. A queda da humanidade
  10. A queda no pecado
  11. O problema do mal
  12. História Bíblica e Arqueologia
  13. Sabedoria do Antigo Testamento
  14. Orações e Salmos do Antigo Testamento
  15. Proclamadores do Novo Testamento
  16. A herança da Igreja

1. Introdução

Uma distância de muitos séculos nos separa do tempo em que os livros do Antigo Testamento foram escritos, especialmente os primeiros, e não é fácil para nós transferir os nossos pensamentos ao estado de alma e condições de vida em que esses livros foram compilados, o que é descrito nos mesmos. Isso gerou muitas situações perplexas que confundem o homem moderno, evidenciando-se especialmente quando as pessoas tentam chegar a uma concordância entre a visão científica contemporânea e a simplicidade das idéias bíblicas sobre o mundo. Muitos questionamentos também aparecem em relação ao quanto à visão do Antigo Testamento corresponde à do Novo e freqüentemente as pessoas perguntam: "Por que o Antigo Testamento? Os ensinamentos e escrituras do Novo Testamento não são suficientes?"

Os inimigos da cristandade começaram as suas polêmicas contra a fé cristã através do Antigo Testamento há muito tempo atrás e, contemporaneamente, o militarismo ateísta usa-o facilmente para atingir seus objetivos. Aqueles que têm passado por um período de dúvida religiosa e, talvez, negação da religião (especialmente aqueles que conviveram com a propaganda anti-religiosa soviética) usualmente dizem que o primeiro ponto de queda para a sua fé veio desta área.

Esta breve revisão das Escrituras do Antigo Testamento não pode responder a todas as questões, mas tentará indicar alguns princípios-guia, pelos quais muitas dúvidas podem ser evitadas.

2. De acordo com os mandamentos do Salvador e dos Apóstolos

A Igreja Cristã Primitiva constantemente persistiu em espírito na Cidade Celestial, pedindo que as coisas se concretizassem, mas ela também organizou o aspecto terreno de sua existência, acumulando e tomando conta principalmente dos tesouros materiais da Fé. As Escrituras mais importantes eram os Evangelhos, o registro sagrado da vida terrena e dos ensinamentos do Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus. Posteriormente, vieram os outros escritos dos Apóstolos e após estes, os livros sagrados dos hebreus, que a Igreja também entesoura como escritos sagrados.

O que faz as Escrituras do Antigo Testamento valorosas para a Igreja? O fato de que: a) elas ensinam a crença em um único e verdadeiro Deus e a obediência aos seus mandamentos e, b) elas falam sobre o Salvador. O próprio Cristo aponta isto. Procurem nas escrituras, porque nelas cremos que temos a vida eterna e elas testificam de Mim, Ele disse aos escribas Judeus. Na parábola sobre o homem rico e Lázaro, o salvador coloca estas palavras sobre os irmãos do homem rico na boca de Abraão: Eles têm Moisés e os profetas; deixe-os ouvi-los. "Moisés" significa os cinco primeiros livros do Antigo Testamento, "os profetas" os últimos dezesseis.

Falando com os seus discípulos, o Salvador mencionou o Saltério em adição a esses livros: Todas as coisas relacionadas a mim devem ser completas, aquelas escritas na Lei de Moises e nos Profetas e nos Salmos. Após o jantar místico, após o hino, eles saíram para o Monte das Oliveiras diz o Evangelista Mateus. Isto se refere ao cantar dos Salmos. As palavras e exemplos do Salvador são suficientes para que a Igreja estime esses livros — a Leis de Moisés, os Profetas e os Salmos — os preserve e aprenda deles.

No Cânon Hebreu, o conjunto de Livros reconhecidos como sagrados pelos hebreus, existe e permanecem duas categorias de livros além da Lei e dos Profetas: os livros didáticos, dos quais apenas os Salmos foi mencionado e os livros históricos. A Igreja os aceita porque os Apóstolos assim o ordenaram. São Paulo escreve a Timóteo: "por uma criança vós conheceis as sagradas escrituras, que podem torná-los sábios até a salvação através da fé em Cristo Jesus". Isto significa: se alguém as lê sabiamente, encontrará o caminho que levará diretamente à cristandade. O Apóstolo tinha em mente todos os livros do Antigo Testamento, como é evidente pelo que ele diz posteriormente: Toda escritura é concebida pela inspiração divina e própria para doutrina, reprovação, correção e instrução na retidão (2 Tim 3:16).

A Igreja (Cristã Ortodoxa) recebeu o livro sagrado dos Hebreus na tradução grega da Septuaginta, que foi feita muito tempo antes do nascimento de Cristo. Esta tradução foi usada pelos Apóstolos quando escreviam suas epístolas em grego. O cânon também contém livros sagrados de origem Hebraica que, no entanto, só existem em Grego. A Igreja Cristã Ortodoxa os inclui na coleção dos livros do Antigo testamento (no conhecimento bíblico ocidental eles são chamados de livros "deuterocanônicos). Desde o tempo do Concílio de Jamnia, os Judeus pararam de usar esses livros em sua vida religiosa.

Ao aceitar as escrituras sagradas do Antigo Testamento, a Igreja mostrou que é a herdeira da Igreja do Antigo Testamento, não do aspecto nacional do Judaísmo, mas do conteúdo religioso do Antigo Testamento. Nessa herança, algumas coisas têm um significado e valores eternos, mas outras deixaram de existir e são significativas apenas como recordações do passado e para edificação de protótipos como, por exemplo, as regras para o tabernáculo e os sacrifícios e as prescrições para a conduta diária dos Israelitas. Portanto, a Igreja usa a sua herança do Antigo Testamento de forma muito autoritária, de acordo com o seu entendimento do mundo, que é muito mais completo e superior do que o Antigo Israel.

3. Usando o Antigo Testamento

Embora a princípio tenha reconhecido o mérito dos livros do Antigo Testamento, a Igreja Cristã, na prática, não teve a oportunidade de usá-los em qualquer lugar, sempre, em toda a sua plenitude. Isso é demonstrado pelo fato de que as escrituras do Antigo Testamento ocupam quatro vezes mais páginas na Bíblia que as do Novo. Antes que os livros fossem impressos, isto é, durante os primeiros 1500 anos da era Cristã, copiar os livros, colecioná-los e adquiri-los, propriamente, era um tema difícil. Apenas algumas famílias poderiam ter uma coleção completa deles e, certamente, nem todas as Comunidades Eclesiásticas o poderiam. Como fonte de instrução na Fé, como um guia da vida Cristã na Igreja, o Novo Testamento, é claro, ocupava o primeiro lugar, ao lado apenas dos Salmos do Antigo Testamento que a Igreja constantemente usava e ainda usa, em sua forma completa. Do tempo dos Apóstolos até nossos dias, ela o usou em seus serviços como companhia para cada cristão e continuará a usá-lo até o fim do mundo. Dos outros livros do Antigo Testamento, ela se contenta com leituras selecionadas de alguns livros. Particularmente da Igreja Russa, embora sabemos que ela brilhou nos séculos 11 e 12, antes da invasão dos Tártaros, (a plenitude de sua vida foi expressa nos escritos dos serviços eclesiásticos, na iconografia e na arquitetura das igrejas e refletida nos monumentos literários da Rússia antiga) ela, no entanto, não tinha a coleção completa dos livros do Antigo Testamento. Apenas no final do século 15 o Acerbispo Gennadiu de Novgorod procurou, com grande dificuldade, adquirir traduções eslavônicas dos livros do Antigo Testamento, e isto foi somente para uma diocese! Foi unicamente a imprensa que deu ao povo russo a primeira Bíblia completa, publicada no final do século 16 e conhecida como a Bíblia de Ostrog. Em nosso tempo, a Bíblia tornou-se amplamente disponível, porém, na prática puramente litúrgica, o uso dos livros do Antigo Testamento permaneceu o mesmo que havia sido originalmente estabelecido pela Igreja.

4. Entendeu o que leu?

De acordo com a descrição nos Atos dos Apóstolos, quando o Apóstolo Filipe encontrou o Eunuco na estrada e viu o livro do Profeta Isaías em suas mãos ele perguntou-lhe: — entendeu o que leu? E ele respondeu: — como posso se não tenho alguém que me guie? (Atos 8:30-31). Felipe o instruiu no entendimento Cristão do que ele estava lendo, com o resultado de que a sua leitura do Antigo Testamento o levou ao batismo. Como o Apóstolo interpretou à luz da Fé Cristã o que o eunuco estava lendo também devemos chegar à leitura do Antigo Testamento a partir da Fé Cristã. Ele deve ser entendido de uma forma baseada no Novo Testamento, na luz que procede da Igreja. Para esse propósito, a Igreja oferece os comentários patrísticos das Sagradas Escrituras, preferindo que assimilemos os conteúdos dos livros sagrados através deles. É necessário ter em mente que o Antigo Testamento é a sombra das coisas que virão (Hb 10:1). Se o leitor esquecer disto, ele pode não receber a edificação que deveria, como avisa o Apóstolo Paulo. Em relação aos Judeus ele escreve que mesmo hoje quando Moisés é lido, uma venda está sobre seus corações: com eles ele permanece intacto em seus corações na leitura do Antigo Testamento, o que é como dizer que eles não estão iluminados dentro da fé. Apesar disso, quando eles retornarem ao Senhor, o Apóstolo conclui seu pensamento, a venda será retirada (2 Cor 3: 14-16). Portanto, nós devemos ler esses livros de um ponto de vista Cristão. Isso significa que devemos lê-los lembrando as palavras do Senhor: "Elas (as escrituras) testificam de Mim". Isto requer não apenas uma leitura simples, mas pesquisa. Nelas está contida a preparação para a vinda do Cristo, promessas, profecias e tipos ou antítipos de Cristo e é de acordo com esses princípios que as leituras do Antigo Testamento são escolhidas para o uso nos serviços eclesiásticos. Além disso, a Igreja nos oferece edificação moral através deles, ela escolhe passagens que falam, por exemplo, da "vida eterna" dos justos, da "justificação pela fé" e da graça. Se nós Cristãos procurarmos os livros do Antigo Testamento dessa forma, encontraremos neles uma enorme fonte de edificação. Mesmo como as gotas de orvalho nas plantas brilham com todas as cores do arco-íris quando a luz do sol cai sobre elas, mesmo como os galhos das árvores cobertos com gelo tornam-se iridescentes, o mesmo se dá com essas escrituras que refletem o que foi ordenado que aparecesse posteriormente: os eventos, feitos e ensinamentos do Evangelho. Mas quando o sol se põe, essas gotas de orvalho e o gelo cobrindo os galhos não mais acariciam os nossos olhos, embora eles permaneçam os mesmos que eram quando o sol brilhava. O mesmo se dá com as Escrituras do Antigo Testamento: sem o sol do Evangelho elas permanecem velhas e decadentes, como o Apóstolo as descreveu, e o que é velho e decadente está pronto para ser posto fora como o mesmo se expressa (Hb 8:13). O Reino de Cristo chegou: a Lei e os Profetas estiveram até João; desde então o Reino de Deus foi proclamado (LC 16:16).

5. Porque é necessário conhecer o Antigo Testamento

Nós escutamos os hinos e leituras na Igreja e duas séries de eventos revelam-se: o Antigo Testamento e o Novo, como um tipo de conclusão, como uma sombra da verdade, como a queda e a ascensão, como a perda e o ganho. Nos escritos patrísticos e nos hinos dos serviços eclesiásticos o Antigo e o Novo Testamento são constantemente contrastados: Adão e Cristo, Eva e a Mãe de Deus. Lá, o paraíso terrestre; aqui, o paraíso celestial. Através da mulher veio o pecado; através da Virgem, a salvação. O comer do fruto levou à morte; o participar dos Dons Sagrados à vida. Lá, a árvore proibida; aqui, a cruz salvadora. Lá se diz deve-se morrer; aqui, hoje estarei contigo no paraíso. Lá, a serpente, o enganador; aqui, Gabriel, o pregador das boas notícias. Lá, é dito à mulher: em sofrimento conceberás teus filhos; aqui à mulher na tumba diz-se: alegre-se! O paralelo é feito em toda a extensão dos dois testamentos: a salvação pelo dilúvio da arca; a salvação na Igreja. Os três estrangeiros com Abraão; a verdade evangélica da Santíssima Trindade. A oferta de Isaac como sacrifício; a morte do Salvador na Cruz. A escada que Jacó viu em sonho; a Mãe de Deus, a escada do Filho de Deus descido a terra. A venda de José por seus irmãos; a traição de Cristo por Judas. A escravidão no Egito; a escravidão espiritual da humanidade pelo demônio. A partida do Egito; a salvação em Cristo. Cruzar o Mar Vermelho; o santo Batismo. A arbusto flamejante; a virgindade perpétua da Mãe de Deus. O Sabat; o dia da Ressurreição. O ritual da circuncisão; o mistério do Batismo. Maná; a ceia do Senhor no Novo Testamento. A Lei de Moisés; a Lei do Evangelho. O Sinai; o Sermão da Montanha. O Tabernáculo; a Igreja do Novo Testamento. A Arca da Aliança; a Mãe de Deus. A serpente no madeiro; a crucificação de Cristo. A vara de Aarão que floresceu; o renascimento em Cristo. Poderíamos ainda continuar com tais comparações.

O entendimento do Novo Testamento, que é expresso em nossos hinos, faz os eventos do Antigo Testamento terem um significado ainda mais profundo. Com que poder Moisés dividiu o mar? Com o sinal da Cruz. "Posicionando a arma invencível da Cruz sobre as águas, Moisés marcou uma linha reta antes dele com sua vara e dividiu o Mar Vermelho." Quem conduziu os Judeus através do Mar Vermelho? Cristo. Cristo jogou os cavalos e cavaleiros no Mar Vermelho e salvou Israel. O retorno do mar ao seu primeiro estado depois que os israelitas passaram foi um protótipo da pureza incorruptível da Mãe de Deus. "No Mar Vermelho foi pintada uma imagem de sua noiva" (Theotokion Dogmático, volume 5).

Durante a primeira e a quinta semanas do Grande Jejum, nos reunimos na Igreja para o cânon penitencial de Santo André de Creta. Do começo do Antigo Testamento até o seu fim, exemplos de retidão e exemplos de transgressão passam por nós em uma longa seqüência, dando então lugar aos do Novo Testamento, mas somente se sabemos a história sagrada do Antigo Testamento somos aptos a aproveitar em plenitude os conteúdos do cânon.

É por isso que o conhecimento da história bíblica não é necessário somente para os adultos, mas às crianças, através de aulas sobre o Antigo Testamento estamos também os preparando para acompanhar de forma inteligente os serviços eclesiásticos e entendê-los. Mas há outras razões, ainda mais importantes.

Na pregação do Salvador e nos escritos dos Apóstolos há muitas referências a pessoas, eventos e textos do Antigo Testamento: a Moisés, a Elias, a Jonas, ao testemunho do Profeta Isaías e por aí vai. No Antigo Testamento, as razões da vinda do Filho de Deus ser essencial à humanidade são fornecidas. Não devemos perder a visão da pura edificação moral contida no Antigo Testamento. O tempo irá enfraquecer-me, escreve o Apóstolo Paulo, para contar de Gedeão, de Barak, de Sansão, também de Davi e Samuel e dos profetas, que através da fé subjugaram reinos, cultivaram a retidão, obtiveram promessas, pararam as bocas de leões, apagaram a violência do fogo, escaparam do fio da espada, na fraqueza foram feitos fortes, tornaram-se corajosos na luta, transformaram em passagem os exércitos inimigos dos quais o mundo não era merecedor; eles desviaram-se em desertos e em montanhas e em esconderijos e cavernas na terra (Hb 11:32-34,38). Também poderemos tirar proveito desta edificação. A Igreja constantemente coloca em nossa mente a visão dos três jovens na fornalha babilônica.

6. Sob a orientação da Igreja

Na Igreja, tudo está em seu devido lugar, tem o seu próprio tom e iluminação correta e isto também se aplica às Escrituras do Antigo Testamento. Sabemos de cor os Dez Mandamentos que foram dados no Sinai, mas os entendemos muito mais profundamente do que os Judeus, porque para nós eles foram iluminados e aprofundados por Nosso Salvador no Sermão da Montanha. Muita moral e legislação ritual passam por nós através da Lei Judaica, mas as palavras "Amarás teu Deus de todo coração, com toda a tua alma e com toda a tua mente e ao teu próximo como a ti mesmo" são encontrados na Lei de Moisés, mas apenas através do Evangelho mostraram-se a nós com todo o seu brilho.

Nem o tabernáculo, nem o Templo de Salomão ainda existem, nós porém estudamos a sua construção porque muitos símbolos do Novo Testamento estão contidos em sua regulamentação. Na Igreja ouvimos leituras dos Profetas, mas elas não são oferecidas a nós para que saibamos o destino dos povos que rodeiam a Palestina, mas porque nessas leituras são feitas profecias sobre Cristo e sobre os eventos do Evangelho.

Aconteceu que no século CVI, na Europa Oriental, um enorme grupo de "cristãos" que se recusaram a serem guiados pela tradição eclesiástica (em reação, é claro, à distorção romana da verdadeira Tradição) jogaram de lado toda a saudável Tradição da velha Igreja decidindo guardar, como fonte da fé, apenas as Sagradas Escrituras, a Bíblia em duas partes, o Antigo e o Novo Testamento. Foi a forma de agir dos Protestantes. Deixe-nos apresentar a sua dívida: ficaram inflamados da sede da palavra viva de Deus e isto os levou ao amor pela Bíblia, mas não aprenderam que as Sagradas Escrituras foram coletadas pela Igreja e pertencem a ela em sua sucessão histórica e apostólica. Não levaram em conta que a Fé Cristã é iluminada pela Bíblia exatamente como a Bíblia, em contrapartida, é iluminada pela Fé Cristã, uma precisa da outra, uma baseia-se na outra. Deixados apenas com as Sagradas Escrituras, esses "cristãos" começaram a estudá-la na esperança de que, seguindo de perto seus caminhos não houvesse mais desacordos sobre a fé. Três quartos da Bíblia, em relação ao seu volume total, consiste do Antigo Testamento, sendo um livro de referência constante. Eles o investigaram nos mínimos detalhes, comparando-os aos antigos textos hebreus, contando quantas vezes certas palavras eram usadas nas Sagradas Escrituras. No entanto, ao fazer isso, eles perderam o senso de proporção; eles consideraram o Antigo e o Novo Testamento como fontes equivalentes da mesma Fé, como se suplementando mutuamente, como aspectos complementares. E com certos grupos de Protestantes, a predominância do Antigo Testamento em quantidade e o fato de que ele ocupa o primeiro lugar em ordem na Bíblia deu origem à visão de que ele também ocupa o primeiro lugar em significância, então as seitas Judaizantes apareceram, colocando o Monoteísmo (que eles consideram a crença em um único Deus) do Antigo Testamento em posição superior ao Monoteísmo do Novo Testamento com a sua verdade divinamente revelada de um Deus em uma Santíssima Trindade. Os mandamentos do Sinai tornaram-se mais importantes do que os ensinamentos do Evangelho, o Sábado mais importante do que o Domingo, o dia da Ressurreição.

Outros que não tomaram esse caminho Judaizante estão ainda inaptos a distinguir o espírito do Antigo Testamento daquele do Novo, o espírito de escravidão do espírito de filiação, o espírito da lei do espírito da liberdade. Sob a influência de certas passagens do Antigo testamento, eles rejeitaram a plenitude do trabalho da Igreja Cristã envolvendo o corpo e o espírito, eles rejeitaram os métodos de expressar isto e, em particular, desdenharam o símbolo da Cristandade — a Cruz-e outras imagens sagradas, colocando-as sob a condenação apostólica da idolatria.

Um terceiro grupo de pessoas (mais orientadas humanísticamente) confundidas pela simplicidade com que os fatos antigos são contados, os pelo seu caráter severo (especialmente os relatos de guerras) ou pelo etnicismo Hebraico, ou pelas características da era pré-cristã, desenvolveram uma atitude negativa contra esses fatos e então contra toda a Bíblia.

Mesmo que seja impossível comer pão sem água, mesmo que o pão seja essencial para o organismo, é impossível nutrir-se espiritualmente apenas pelas Escrituras sem o frescor da Graça provida pela vida na Igreja. As aptidões teológicas protestantes, que propõem guardar a cristandade e suas fontes e trabalham no estudo da Bíblia, foram deixadas com um gosto amargo na boca. Elas exageraram na análise crítica dos textos das Escrituras, inicialmente do Antigo Testamento e depois do Novo. Quando eles gradualmente cessaram de sentir seu poder espiritual, eles começaram a ver os livros sagrados como documentos comuns da antiguidade, usando os métodos e técnicas do positivismo do século XIX . Alguns desses teólogos procuram ultrapassar a si mesmos nas teorias bem tramadas para as origens dos vários livros, contrariando as tradições sagradas da antiguidade. Para explorar exemplos do conhecimento de eventos futuros nos livros sagrados eles começaram a dizer que esses livros eram, de fato, escritos em datas posteriores às do tempo que descreviam. As teorias mudaram, mas o método deu um golpe na autoridade da Sagrada Escritura e da Fé Cristã. É verdade que crentes protestantes simples ignoram o "criticismo bíblico" mas os pastores têm se ocupado com escolas teológicas modernas, sendo eles mesmos transmissores de um pensamento crítico em suas comunidades. O período do criticismo Bíblico está terminando, mas esta reviravolta levou muitas seitas a perder a fé dogmática; eles passaram a reconhecer apenas o ensinamento moral do Evangelho, esquecendo-se de que ele é inseparável da doutrina dogmática. Freqüentemente acontece que mesmo asboas tarefas têm seu lado negro.

Portanto, a tradução da Bíblia em todas as línguas contemporâneas foi um grande evento na cultura cristã. Devemos admitir que esta tarefa foi completada, em grande parte, pelo Protestantismo. Contudo deve também ser admitido que é mais difícil sentir o fôlego da profundidade e sagrada antiguidade das Escrituras do Antigo Testamento em nossas linguagens contemporâneas. Quando lemos as Escrituras nessas línguas, não apenas podemos entender a imensa distância que nos separa destas duas épocas, a apostólica e a nossa própria e, portanto, aqui se revela a inabilidade de entender o valor da simplicidade dos relatos bíblicos. Alguns judeus, não sem razão, preservaram a língua hebraica antiga e evitam usar a bíblia impressa para as orações e leituras nas sinagogas, e usam cópias manuscritas do Antigo Testamento escritas em pergaminho. Propagar a bíblia sobre a face da terra em edições de vários milhões de exemplares foi certamente uma grande proeza, mas mesmo aqui, a distribuição em massa não fez as pessoas terem atitudes menos reverentes em relação aos livros?

O que nós acabamos de dizer refere-se a atividades da "cristandade," mas há outros fatos ligados. A bíblia defronta-se com a pesquisa científica: com a geologia, paleontologia, arqueologia. Do fundo da terra aparece a palavra do passado, quase desconhecida até aqui. A ciência contemporânea conferiu uma amplitude à antiguidade que se estende por um enorme número de milênios. Os inimigos da religião não hesitam em usar dados científicos contra a bíblia, que eles posicionam em local de julgamento, nas palavras de Pilatos, observe quantas coisas eles testemunham contra ele (MC 15:4).

Sob essas novas condições, devemos confirmar a nós mesmos na clara consciência da santidade da bíblia, de sua verdade, de sua natureza excepcional e sua magnificência, como o Livro dos livros, o registro autêntico da humanidade. Nossa tarefa foi nos proteger da confusão e das dúvidas. São principalmente as escrituras do Antigo Testamento as contestadas pelas teorias científicas contemporâneas, portanto devemos estudá-las com mais cuidado, olhar a sua verdadeira essência. Tanto quanto a ciência está interessada, podemos estar certos de que a ciência autêntica sempre testifica as conclusões sobre a verdade da bíblia. São João de Krondstadt aconselha:

Quando você duvidar da verdade de qualquer pessoa ou qualquer evento descrito na Sagrada Escritura, lembre que toda Escritura é inspirada por Deus (2 Tm 3:16) como o Apóstolo diz e, portanto, é verdadeira e não contém pessoas imaginárias, contos e fábulas, embora contenha parábolas que qualquer um pode ver não como narrativas reais mas como escritos em linguagem figurativa. Toda a Palavra de Deus é una, inteira, uma verdade indivisível, e se você questionar que alguma narrativa, sentença ou palavra é falsa, então você peca contra a integridade da Sagrada Escritura e sua verdade primordial, que é o próprio Deus"

(Minha Vida em Cristo, São João de Kronstadt, pág 70).

7. A inspiração divina das Escrituras

Nós usualmente qualificamos "Escritura" com a palavra "Sagrada", que significa santificada, que tem a graça em si mesma, refletindo a efusão do Espírito Santo. Apenas aos Evangelhos a palavra "Santo" é sempre aplicada e, antes de ler o Evangelho somos chamados a rezar para sermos dignos de o ouvir. E já que nos é concedido ouvir o Evangelho somos obrigados a ouvi-lo em postura de "Sabedoria, correção, vamos ouvir o Santo Evangelho", enquanto que quando ouvimos as leituras do Antigo Testamento a Igreja Ortodoxa permite que fiquemos sentados. Mesmo quando os Salmos são lidos, não apenas como preces, mas especialmente quando oferecidos para meditação, para edificação, como, por exemplo, os cathismas de Matinas, temos permissão de sentar. Então em relação aos livros sagrados podemos também dizer, na palavra do Apóstolo Paulo, que uma estrela difere de outra estrela em glória (1Cor 15:41). Toda a Escritura é divinamente inspirada, mas é muito subjetivo porque alguns livros são mais populares do que outros; lá os Israelitas e a Lei do Antigo Testamento, aqui (no Novo Testamento) Cristo o Salvador e seu ensinamento divino. O que constitui a natureza divinamente inspirada da Escritura? Os autores sagrados guiados por esse estado, em momentos espirituais supremos, tornam-se a iluminação e a revelação direta de Deus. Em relação a este último estado, eles freqüentemente se descrevem como tendo recebido a revelação de Deus, como lemos nos profetas e nos Apóstolos Paulo e João no Novo Testamento. Juntamente com tudo isto, contudo, os autores usam os meios comuns para adquirir conhecimento, portanto para informação sobre o passado, eles retornam à tradição oral. O Apóstolo Lucas, que não era um dos doze, descreve no Evangelho os eventos como alguém que teve, desde o princípio, o pleno entendimento dos ensinamentos.

Os autores sagrados usaram documentos escritos, censuras pessoais, genealogias, indicações de despesas de construção, quantidade de material, pesos, preços etc. Nos livros históricos do Antigo Testamento, achamos referências sobre outros livros usados como fonte como, por exemplo, nos livros do Reis e Crônicas. E o resto dos atos de Ahazías, o que ele fez, observou, não estão escritos no livro de crônicas de Judá? (2 Sm 1:18; 15:36; 2 Cron 12:15; 13:22 e outros). Documentos originais também eram cotados: o primeiro livro de Esdras reproduz palavra por palavra uma série inteira de relatos relacionados à restauração do Templo de Jerusalém. Não devemos pensar que os autores sagrados eram oniscientes, essa qualidade não é dada mesmo aos Anjos, ela pertence somente a Deus, mas esses autores eram santos. Os filhos de Israel não podem afirmar-se contemplando a face de Moisés sobre a glória de seu semblante (2 Cor 3:7), lembra São Paulo. A santidade de seus autores, a pureza de sua mente e coração, a consciência do orgulho de seu chamado e a sua responsabilidade em cumpri-lo foram diretamente expressados em seus escritos: na santidade, pureza e retidão de seus pensamentos, verdade de suas palavras, na distinção clara do verdadeiro e do falso. Eles começaram seus relatos com inspiração divina e assim os completaram.

Em certos momentos, seu espírito foi iluminado por revelações cheias da graça especial do alto e por intrusões místicas ao passado, como o Profeta Moisés no livro do Gênesis, ou ao futuro, como os últimos profetas e Apóstolos de Cristo. É natural imaginarmos como que uma névoa, como que olhando por detrás de uma cortina. Agora vemos através de um vidro escurecido, mas então (na época em que deveremos ver) face a face (1 Cor 13:12) testifica o Apóstolo Paulo. Nenhum esclarecimento é feito se a atenção da visão é feita para o passado ou para o presente; os profetas dizem "coisas que são longínquas como se fossem próximas. É por isso que o evangelista descreve dois eventos futuros, preditos pelo Senhor, a destruição de Jerusalém e o fim do mundo, de tal forma que eles praticamente emergem em uma mesma perspectiva futura. Não é para ti conhecer os tempos ou as estações que o Pai colocou sobre sua autoridade (At 1:7), disse o Senhor".

A inspiração divina não pertence apenas à Sagrada Escritura. Como sabemos, a Igreja Ortodoxa reconhece a Sagrada Tradição como fonte de fé igual à Sagrada Escritura. Para a Tradição, que expressa a voz de toda a Igreja, ela é também a voz do Espírito Santo vivente na Igreja. Todos os serviços da Igreja são divinamente inspirados, bem como os sinais da Igreja Cristã. "Deixe-nos honrar o testemunho da verdade e os anúncios piedosos nos hinos divinamente inspirados" (Kondakion a São Zenóbio e Zenóbia, 30/10) e, em particular, a Liturgia dos santos Mistérios é chamada com o nome mais elevado de "Divina Liturgia", já que é divinamente inspirada.

8. Narrativa da criação do mundo

Vamos abrir o livro do Gênesis. O primeiro lugar é ocupado pela origem do mundo. Moisés, o profeta de Deus, fala brevemente da criação do mundo, aproximadamente uma página, mas, ao mesmo tempo, ele toca em tudo com um olhar, apenas. Essa brevidade demonstra sabedoria profunda, mas qual loquacidade poderia abranger a grandeza do trabalho de Deus. Essa página, em essência, é um livro inteiro, que requereu um grande status emocional do autor e iluminação do alto. Não é sem razão que Moisés conclui o seu relato sobre a criação como um longo trabalho: Este é o livro das gerações dos céus e da terra, quando eles foram feitos, no dia em que o Senhor Deus fez os céus e a terra (Gn 2:4).

Esta foi uma tarefa importante, falar como foi feito o mundo e o que está nele. Um grande empreendimento na esfera do pensamento requer um estoque correspondente de técnicas de expressão e vocabulário filosófico. Mas o que Moisés tinha? Sua disposição foi feita quase toda que em língua primitiva, tendo como vocabulário apenas algumas centenas de palavras. Esta linguagem não tinha quase nenhum dos conceitos abstratos que tornam fácil a expressão de imagens e suas palavras denota o que os olhos e ouvidos percebem do mundo visível. Por causa disso, Moisés usa com cuidado as palavras do seu tempo, para não imergir a idéia de Deus na crueldade de percepções terrenas apenas. Ele teve de dizer "Deus fez", "Deus tomou", "Deus viu," "Deus disse" e mesmo "Deus andou," mas as primeiras palavras do Gênesis, No começo Deus fez e então o Espírito de Deus moveu-se sobre a água falam claramente de Deus como espírito e, conseqüentemente, da natureza metafórica e antropomórfica das expressões acima citadas. Em outro livro, os Salmos, com a natureza metafórica de tais expressões do Espírito se tornam claras, encontramos muitas dessas expressões, algumas bem vívidas, como a face de Deus, mãos, olhos, passos, ombros, ventre. Pegue as armas e o escudo e venha à minha ajuda (Salmos 35:2), aqui o salmista apela a Deus. Em suas homilias no livro do Gênesis, comentando as palavras, "E eles ouviram a voz do Senhor caminhando no jardim à tarde", São João Crisóstomo diz:

"Não permitamos, amados, ser ignorado o que se diz da Divina Escritura, e não tropecemos sobre as palavras, mas reflitamos que tais simples palavras são usadas por nossa falta de firmeza, e tudo é feito para a nossa salvação. Ao invés disso, diga-me, se quisermos aceitar as palavras em seu sentido literal não teremos entendido o que nos foi dito no começo dessa leitura. E eles ouviram, foi dito, a voz do Senhor Deus andando no jardim pela tarde. O que está dizendo? Deus caminha? Estamos certos de não estarmos conferindo pés a Ele? E não devemos entender algo mais alto do que isto? Não, Deus não caminha, exatamente ao contrário! Como, Ele que é tudo e sente todas as coisas, cujo trono está no céu e na terra o seu escabelo realmente caminha no paraíso? Que homem tolo diria isso? Então, o que ele significa Eles ouviram a voz de Deus caminhando no jardim pela tarde? Eles gostariam de incitar neles tal sentimento (de proximidade), que os levaria à ansiedade, o que realmente aconteceu": eles sentiram isto, tentaram esconder-se do Deus que estava se aproximando deles. Pecaram e a vergonha caiu sobre eles. O julgamento imparcial, a consciência, elevou-se e gritou em alta voz, os expôs e exibiu-lhes a seriedade de seus crimes. No começo, o Mestre criou o homem e colocou a consciência nele, como um acusador inexorável, que não pode ser derrotado ou abafado."

Na nossa era de descobertas e pesquisas paleontológicas, a palavra do passado é descrita em uma imensuravelmente vasta escala de tempo; a aparência da humanidade é relacionada a milênios distantes. Em questões de origem e desenvolvimento do mundo a ciência segue o seu próprio caminho, mas não nos é essencial fazer esforços para harmonizar a Bíblia a todos os pontos da ciência contemporânea. Não temos necessidade de mergulhar na Geologia e Paleontologia para suportar as considerações bíblicas. A princípio, estamos convencidos que as palavras bíblicas e os dados científicos não provarão ser contraditórios, mesmo que suas afirmações não pareçam claras. Em alguns casos, os dados científicos podem nos mostrar como entender os fatos da Bíblia e em outros aspectos esses campos não são comparáveis, têm diferentes propósitos e vêem o mundo de pontos de vista diferentes.

A tarefa de Moisés não foi o estudo da palavra física, contudo, nós concordamos em reconhecer e honrar Moisés por conferir à humanidade o primeiro elemento da história natural, por ser a primeira pessoa no mundo a falar sobre a história da humanidade e, finalmente, por dar um começo à história das nações no livro do Gênesis. Tudo isso apenas enfatiza a sua grandiosidade. Ele apresenta a criação do mundo e sua história e em pequeno espaço, em apenas uma página da Bíblia. Portanto é bem claro, por sua brevidade, porque ele não desenhou a história da humanidade através do profundo abismo do passado, mas o apresentou como uma única figura geral. Moisés mirou o seu relato da criação em verdades religiosas básicas a seu povo e, através dele, a outros povos.

A principal verdade é que Deus é um ser espiritual independente do mundo. Esta verdade foi preservada no ramo da humanidade que o quinto e sexto capítulos do Gênesis chamam de "Filhos do Deus" e através dos quais a fé em um único Deus foi difundida a Abraão e seus descendentes. No tempo de Moisés, as outras pessoas já haviam perdido sua verdade, emergindo no escuro do politeísmo e contaminando os hebreus, ameaçados de morrer durante a sua escravidão no Egito. Para Moisés, a grandiosidade do Único, do Espírito Divino, foi revelada pela sarça ardente. Ele perguntou, perplexo: Eu irei para junto dos filhos de Israel para lhes dizer: o Deus de vossos pais me enviou a vós. Se me perguntarem: Qual é o seu nome? que lhes direi? Deus disse a Moisés: Eu Sou Aquele que É. E disse: assim falarás aos filhos de Israel: Eu Sou me enviou a vós (Ex 3: 13-14).

Tal é a sublime concepção de Deus que Moisés expõe nas primeiras palavras do livro do Gênesis: No começo, Deus fez os céus e a terra. Mesmo quando não existia nada material havia um Deus Espírito, que transcende o tempo, transcende o espaço, cuja existência não é limitada ao céu, pois este foi feito juntamente com o tempo e a terra. Na primeira linha do livro do Gênesis o nome de Deus é dado sem definições ou limitações: a única coisa que pode ser dita de Deus é que Ele É, que Ele é o único, o Ser Eterno, Ele é o Ser.

Uma série de outras verdades sobre Deus, a palavra, e o homem, seguem o relato da criação. Elas são:

  • Deus não separa uma parte de Si mesmo, não foi diminuído de nenhuma forma, nem se multiplicou ao criar o mundo.
  • Deus criou o mundo por Sua livre vontade, não foi compelido por nenhuma necessidade.
  • O mundo não tem uma natureza divina em si mesmo; não faz parte da prole da Divindade, não é parte dele nem do corpo da Divindade.
  • O mundo manifesta a sabedoria, o poder e a bondade de Deus.
  • O mundo visível foi feito gradualmente, em ordem, do mais baixo ao mais alto e mais perfeito.
  • No mundo criado "tudo era bom"; o mundo é harmônico em sua plenitude, excelente, sabia e generosamente ordenado.
  • O homem é uma criatura terrestre e marcada como o cume da criação terrena.
  • O homem é feito à semelhança de Deus e carrega em si o sopro de vida de Deus.

Dessas verdades, a conclusão lógica é que o homem é obrigado a direcionar-se à pureza e à excelência,para não desfigurar e perder a imagem de Deus nele, para poder permanecer como a cabeça da criação terrena.

É claro, a revelação sobre a criação do mundo suplantada nas mentes dos Hebreus e os contos que eles ouviram de outros povos os cercaram. Essas fábulas falavam de deuses e deusas imaginárias, que: a) eram dependentes da existência do mundo e, em essência, impotentes; b) eram cheios de fraquezas, paixões e inimizades, trazendo e difundindo o mundo portanto; c) mesmo que existissem seriam incapazes de elevar eticamente o mundo. A história da criação do mundo, que tem o seu valor independente como uma verdade divinamente revelada age, como vemos, como um golpe às religiões politeístas e mitológicas.

O conceito de Deus do Antigo Testamento é expresso vividamente no Livro da Sabedoria de Salomão: O mundo está diante de Ti como o peso ínfimo que desequilibra uma balança, como a gota de orvalho matinal que desce para o solo! (Sb 11:22). O Livro de Gênesis confessa o monoteísmo puro e sem adulteração. O Antigo Testamento considera a verdade da unidade de Deus em uma Trindade de Pessoas. Lemos: faremos o homem de acordo com a nossa imagem; Adão tornou-se um de nós e mais tarde, Deus apareceu a Abraão na forma de três estranhos.

Este é o significado deste pequeno relato. Se todo o livro do Gênesis consistisse apenas da primeira página, da descrição da criação do mundo e da humanidade, a expressão magnífica da revelação divina, da iluminação divina do pensamento humano.

9. A queda da humanidade

O segundo e terceiro capítulos do livro do Gênesis revela um novo tema; nós podemos dizer que começa um novo livro: a história da humanidade. É compreensível porque Moisés fala duas vezes sobre a criação do homem. Foi necessário que ele falasse sobre o homem no primeiro capítulo como a cabeça da criação da figura geral desta. Agora, após concluir o primeiro tema: E os céus e a terra foram terminados e todo o mundo - é natural que ele comece a história da humanidade falando novamente da criação do primeiro homem e como a mulher foi feita para ele. Esses são os conteúdos do segundo capítulo, que também descreve a sua vida no Éden, no Paraíso. O terceiro capítulo fala de sua queda no pecado e a perda do Paraíso. Nesses relatos, junto do sentido literal há um significado simbólico e não estamos em posição de dizer onde, precisamente, os eventos são relatados em seu senso literal e onde são expressos figurativamente, não estamos em posição de separar o símbolo do fato simples. Apenas sabemos que, de uma forma ou de outra, são relatados eventos profundamente significativos.

Um símbolo é um meio de expressão relativo, que é conveniente por ser ilustrativo e fazer, portanto, uma impressão na alma. Ele não requer um grande significado verbal para expressar um pensamento. Ao mesmo tempo, ele deixa uma forte impressão de seu conceito. Um símbolo confere a alguém a possibilidade de penetrar mais profundamente no significado do pensamento. Portanto, ao citar o texto dos Salmos suas mãos me fizeram São João de Kronstad acompanha com a nota: "As mãos são o Filho e o Espírito". O termo "mãos" em relação a Deus sugere a idéia da Santíssima Trindade (minha vida em Cristo). Lemos palavras similares em São Irineu de Lyon: "O Filho e o Espírito Santo são, como sabemos, as mãos do Pai" (Contra heresias, bc 5, cap 6).

É essencial fazer uma distinção precisa entre símbolos bíblicos e imaginários, com ênfase para o oculto, e o conceito de mito. Na Bíblia não há mitologia, ela pertence ao politeísmo, que personifica como deuses os fenômenos da natureza e cria, nessa base, contos fantásticos. Somos justificados ao afirmar que o livro do Gênesis é uma desmitologização das noções antigas, o desmascaramento da mitologia, direcionado contra os mitos.

Deve ser dito que o simbolismo também pode ser visto na mitologia, isto é uma verdade, mas a diferença aqui é que a verdade, sempre profundamente misteriosa, está atrás das expressões figurativas de Moisés, mas as histórias mitológicas apresentam ficção inspirada nos fenômenos da natureza. Estes são símbolos da verdade; aqueles são símbolos da fantasia arbitrária. Para um cristão ortodoxo isto é similar às diferenças entre um ícone e um ídolo: o ícone é a descrição de um ser real, enquanto que um ídolo é a descrição de uma criação fictícia da mente.

O elemento simbólico é sentido mais fortemente onde há grande necessidade de revelação de pontos essenciais como, por exemplo, o relato da criação da mulher a partir da constela de Adão. São João Cristóstomo nos ensina:

E Ele tomou uma de suas costelas. Não entenda essas palavras de forma humana, mas saiba que expressões rudes são usadas em adaptação à debilidade humana. De fato, se a Escritura não usasse essas palavras, como poderíamos saber os mistérios inefáveis? Que possamos obter conhecimento apenas pelas palavras, mas que isso seja feito de forma apropriada, relacionada a Deus. A expressão "tomou" e outras similares são usadas devido à nossa debilidade (loc. cit., pp. 120-1).

A conclusão moral desta história é compreensível. São Paulo afirma: a mulher é chamada a ser submissa ao homem. A cabeça da mulher é o homem; a cabeça de todo homem é Cristo: pois não é o homem que foi tirado da mulher e sim a mulher do homem (1 Cor 11: 3,8). Mas por que Moisés falou especificamente sobre a forma que cada mulher foi criada? Ele indubitavelmente tinha a intenção de proteger os Hebreus das ficções da mitologia e, em particular, da mitologia da antiga Mesopotâmia, a terra natal de seus ancestrais, desses contos sórdidos e moralmente corrompidos de um mundo com deuses, um mundo onde homens e animais apareceram juntos e deuses e deusas vindos da união entre homens e animais. Encontramos uma alusão a isto nas descrições de leões e touros com cabeças humanas, muito difundidas na arte Caldeo-Mesopotâmica e Egípcia. O relato bíblico da criação da mulher é único, de origem independente e guarda a sua natureza pura e distinta das coisas do mundo supranatural e do reino inferior dos animais. Isto é evidenciado pelos versos predecessores no relato: E Deus disse não é bom para o homem estar só, vamos fazer uma companheira adequada para ele (Gn 2:18). E Ele mostrou as bestas selvagens a Adão, que as nomeou, mas Adão não achou compania para si mesmo (Gn 2:20). Então Deus arrebatou Adão e fez de suas costelas uma companheira para ele.

Portanto, depois da verdade da unidade de Deus, a verdade da unidade, independência e distinção da raça humana é confirmada. E foi com essas duas verdades básicas que São Paulo começa seu sermão no Areópago em Atenas: Deus é um, e a partir de um só homem ele criou todos os povos para habitarem a superfície da terra (AT 17:26). O relato da criação do homem e a origem da raça humana dados no livro do Gênesis é um golpe nos conceitos mitológicos politeístas, bem como a história da criação do mundo.

A primeira pessoa viveu no paraíso, no Éden, o mais belo jardim. A queda da humanidade é iluminada pelos raios do Sol da Graça no relato de Moisés. Agora, após a descoberta em algumas cavernas, os homens antigos são descritos como pertencentes às cavernas, para dar-lhes uma impressão repugnante de formas animais, com uma mandíbula protusa, uma expressão ameaçadora ou amedrontada nos olhos, com uma clava nas mãos, caçando carne. No entanto, a Bíblia nos diz que embora o homem seja uma criança no sentido espiritual, ele sempre foi uma criatura nobre de Deus desde o começo de sua existência; seu início não foi escuro nem sombrio, mas radiante e puro. Ele sempre foi intelectualmente superior às outras criaturas. O dom da fala deu-lhe a oportunidade de desenvolver sua natureza espiritual posteriormente. As riquezas do reino vegetal eram apresentadas como abundância de comida. A vida em um clima benéfico não requeria muito trabalho. A pureza moral lhe conferia paz interior. O processo de desenvolvimento se deu em uma forma elevada e conhecida para nós.

Mas, no mundo animal, embora abaixo do homem, observamos muitas criaturas de feitio nobres, harmoniosamente construídas, animais de quatro pernas ou pássaros que expressam graça e beleza em suas formas externas. Observamos muitos animais gentis, preparados para demonstrar apego e confiança e, o que é mais importante, servir de uma forma desinteressada. Há também muita harmonia e beleza no mundo vegetal e, podem-se dizer, as plantas competem com a servilidade através de seus frutos. Por que seria então necessário ver o homem antigo como desprovido de todas as características atrativas dos reinos animal e vegetal?

10. A queda no pecado

O estado abençoado do homem e sua proximidade a Deus são inseparáveis: "Deus é minha proteção e minha defesa, a quem temerei?" (Sl 27:1, 32:7). Deus "caminhou no paraíso", de tão perto ele estava de Adão e Eva. Mas para medir a beatitude da proximidade de Deus e estar consciente da sua proteção é necessário ter uma consciência purificada. Quando a perdemos, perdemos essa consciência. As primeiras pessoas pecaram e se distanciaram de Deus. Adão, onde está você? Eu ouvi a voz, enquanto caminháveis pelo jardim, e temi, porque estava nu e me escondi.

A Palavra de Deus nos diz que Deus é onipresente e que Ele está sempre perto. A consciência de sua proximidade só é diminuída pela corrupção humana, contudo, ela não extinguida completamente. Por todas as eras, ela sobreviveu e continua viva nos santos. Foi dito a Moisés que Deus falou face a face com ele, como o homem fala com seu amigo (cf Dt 34:10). Vós estais próximo, ó Senhor, lemos nos salmos (Sl 119:151; 145:12). "A minha alma vive em Deus como o peixe vive na água ou o pássaro vive no ar, imersa n'Ele em todos os lados e em todos os tempos, vivendo n'Ele, descansando n'Ele, achando n'Ele quarto de descanso",escreve São João de Kronstadt. Em outro lugar ele argumenta: "Qual é o significado da aparição de três estrangeiros a Abraão? Significa que o Senhor, em três Pessoas, continuamente, viaja pela terra, vigiando tudo que é feito nela, e que Ele próprio vem a seus servos vigilantes e dá atenção a eles e à sua salvação e aqueles que O buscam, passando tempo com eles e dialogando com eles como amigos (E nós viremos a ele e estabeleceremos neles a nossa morada. Jo 14:23); enquanto manda fogo aos maus" (Minha vida em Cristo).

Essa proximidade, bem como a benção, foram perdidas e o sofrimento apareceu. A descrição de Moisés da queda no pecado é essencialmente igual à Parábola do Filho Pródigo. Ele deixou o pai e escondeu-se dele para saciar-se com a doçura de uma vida livre mas, ao invés de prazer, ele recebeu vagens, usadas para alimentar animais, que não o saciaram. O mesmo se deu com os nossos primeiros pais: sua queda foi seguida de pesar e sofrimentos. Eu irei multiplicar grandemente as dores e os pesares e terás teus filhos com dor. Na dor (...) e no suor do teu rosto comerás o teu pão até o teu retorno à terra, de onde foste tirado.

Comer o fruto proibido, como se vê, foi a menor das ofensas. Poderia isto ter tais conseqüências ou trazer tal punição? Mas tudo na vida tem o seu começo, coisas grandes originam-se de coisas pequenas e insignificantes. Uma avalanche nas montanhas começa de um leve tremor. O Volga origina-se de uma pequena fonte, o Hudson de "nuvens de lágrimas" perdidas nas montanhas.

A simples observação nos mostra que há uma conexão entre os vícios e o sofrimento, que eles levam ao sofrimento em que o homem pune a si mesmo. Se a morte e os muitos obstáculos da vida constituem uma punição de Deus, ainda deve ser reconhecido que a maioria dos sofrimentos do homem foi criada pela própria humanidade. Isto se aplica às guerras selvagens, acompanhadas do tratamento terrivelmente desumano dado aos conquistados. As guerras, de fato, são a história da humanidade. Isto também se aplica aos sofrimentos infringidos de homem para homem, que têm acompanhado os períodos pacíficos da história: escravidão, invasões e vários tipos de violência, que não são causadas apenas pelo orgulho e egoísmo, mas por um tipo de paixão demoníaca por crueldade e brutalidade. Em uma palavra, tudo isto é expresso em um antigo provérbio: «o homem é pior inimigo do homem».

Poderiam os homens ter se beneficiado de uma benção plena se a queda não tivesse ocorrido? Poderiam eles ser livres de preocupações, importunações, tristezas, acidentes? Aparentemente, a bíblia não fala de tal tranqüilidade na vida. Onde há luz, há também sombra; onde há tristeza, há também alegria.

11. O problema do mal

Agora tocamos uma das mais amplas questões, o problema geral do sofrimento no mundo, que é muito difícil de ser explicado pela filosofia religiosa. Por que a lei da renovação constante da vida, a lei beneficente à vida no mundo, ligada ao sofrimento? É inevitável que as criaturas devam destruir umas às outras? Que algumas devam ser devoradas para que outras vivam? Que os fracos devam temer os fortes, que a força bruta triunfe no reino animal? É a batalha de uma criatura contra a outra uma eterna condição de vida? A Bíblia não dá uma resposta direta às nossas perguntas, contudo podemos encontrar indicações para a solução. Aqui está o que é dito da lei da nutrição que Deus dá a suas criaturas. Deus aponta as sementes das plantas e os frutos das árvores como a comida do homem. Apenas após o dilúvio a carne foi permitida para ele. Para os animais, Deus declara: E para todas as bestas selvagens da terra, e todos os répteis rastejantes do solo, que têm o sopro da vida, eu dei as plantas verdes para comida, e foi só (Gn 1:30).

Mas, a queda ocorreu. Antes do dilúvio, a raça humana corrompeu-se e essa corrupção tocou o mundo das criaturas terrestres: E o Senhor Deus viu a terra, e ela estava corrompida, porque toda a carne corrompeu seu caminho sobre a terra (Gn 6:12). A lei da concordância deu vez à lei da luta. E São Paulo escreve:

Pois a criação espera com paciência a revelação dos filhos de Deus, entregue ao poder do nada, não por vontade própria, mas pela autoridade daquele que lhe entregou-ela guarda a esperança, pois também ela será libertada da escravidão da corrupção, para participar da liberdade e da glória dos filhos de Deus. Com efeito, sabemos: a criação inteira geme ainda agora nas dores do parto. E não só ela, também nós, que possuímos as primícias do Espírito, gemeremos interiormente, esperando a adoção, a libertação para o nosso corpo (Rm 8: 19-23).

Isso significa que o gemido da criação não é eterno; obviamente, então, nem o é a lei do conflito, o direito do mais forte. E é, de fato, indisputável a lei da vida? Não observamos a ferocidade, sede de sangue e os formidavelmente fortes representantes do reino animal desaparecerem mais rapidamente da face da terra do que os aparentemente indefesos, criaturas gentis, que continuam a viver e a se multiplicar? Não é esta uma indicação oblíqua para que a humanidade não se baseie nos princípios da força? O santo Profeta Isaías fala da natureza temporária do princípio, quando profetiza sobre o tempo (é claro não nesse mundo pecador) quando o lobo habitará com o cordeiro e o leopardo se deitará perto do cabrito (Is 11:6).

A descrição da origem do mal no mundo, o mal moral e os sofrimentos físicos e espirituais, é feita no terceiro capítulo do livro do Gênesis, e constitui um terceiro golpe contra a mitologia pagã. De acordo com os contos mitológicos, os deuses experimentaram paixões e vícios que originaram os sofrimentos; conflitos, traição e assassinatos apareceram entre eles. Então os religiosos postulam que há um deus do bem e um deus do mal, mas, de uma forma ou outra, o mal é primordial. Portanto, sofrer é uma condição de vida normal e não há caminho para a genuína perfeição moral. Não é o que a bíblia nos conta. Deus não criou nem causa o mal. Tudo o que foi criado era bom por natureza. O pecado entrou no mundo através da tentação, é por isso que o pecado, a falta de regras, a perda do caminho, desvia a vontade para o lado errado. Depois do pecado vem o sofrimento.

O autor da Sabedoria de Salomão diz: Deus não fez a morte, não lhe dá prazer à perda dos vivos. Ele criou todos os seres para que subsistam e, no mundo, as gerações são salutares; nelas não há veneno funesto e a dominação do Hades não se exerce sobre a terra. Ora Deus criou o homem para ser incorruptível e o fez imagem daquilo que lhe é próprio. Mas, pela inveja do diabo a morte entrou no mundo e a experimentaram os que são do seu partido (Sb 1:13-14; 2:23-24).

Mas a lei moral não é destruída pela queda do homem, ela continua a brilhar e a distinção entre o bem e o mal não é perdida. O homem retém a possibilidade de retornar às suas riquezas perdidas. O caminho para elas está sobre a purificação moral e o renascimento, sobre o arrependimento, que é descrito no terceiro capítulo do Gênesis, no relato da expulsão do Paraíso. Nos últimos versos do terceiro capítulo do Gênesis começamos a ver, à distância, o horizonte do Novo Testamento, a descida da humanidade pelo mal moral e, ao mesmo tempo, do sofrimento e da morte, o aparecimento do Redentor do mundo.

Portanto, a história da queda no pecado é de excepcional importância para o entendimento de toda a história da humanidade e é conectada diretamente com o Novo Testamento. Um paralelo direto manifesta-se entre dois eventos: a queda de Adão no pecado e a vinda do Filho de Deus a terra. Isto está sempre presente no pensamento cristão, em termos particulares e gerais. O cristão é chamado segundo Adão; a árvore da Cruz é contrastada com a árvore da queda. As tentações de Cristo no deserto lembram, de certa forma, as tentações da serpente: lá foi o "provar da fruta" e "vocês serão como deuses" e aqui, se fores o filho de Deus, ordena a essas pedras que se tornem pão. Os pais da Igreja preferem um entendimento direto e literal da história da queda no pecado. Contudo, mesmo que tenhamos aqui o elemento real, de significado direto, ele está tão proximamente conectado com o senso oculto e espiritual que não há possibilidade de separá-los. Isto, por exemplo, leva o nome de "árvore da vida", "árvore do conhecimento do bem e do mal." A igreja regojiza-se em sua salvação em Cristo e volta-se para o mesmo "Paraíso dos antigos" e vê o Querubim, que foi colocado nos portões do Paraíso quando Adão foi expulso, agora não mais guardando a Árvore da Vida e a espada flamejante não mais impedindo a nossa entrada no Paraíso. Depois do arrependimento na criação, o ladrão ouve as palavras do Cristo crucificado: Hoje estarás comigo no Paraíso.

12. História bíblica e arqueologia

O livro do Gênesis fala brevemente sobre o período inicial da vida da humanidade. Após a história de Caim e Abel, o período anterior ao dilúvio é limitado à genealogia, apenas nomes. Calculando os anos em que os Patriarcas viveram antes do Dilúvio, contamos aproximadamente 1600 anos.

Portanto, a história de muitos séculos ocupa apenas um capítulo, o quarto do Gênesis; vemos Moisés proteger seu relato dos contos mitológicos arbitrários, populares e mitológicos e como fonte de suas genealogias Moisés tinha, sem dúvida, listas muito antigas, originadas da Mesopotâmia. Desde o começo de sua existência, a humanidade preservou a sua história como a menina do olho; a família preservada a memória de seus ancestrais. Mas a história toda expressa apenas uma coisa, o registro dos nomes e a duração da vida. Nas escavações contemporâneas na Mesopotâmia, fragmentos cuneiformes que condizem com o milênio anterior ao de Cristo estão sendo descobertos o que confirma que muitos séculos estão compactados em um único capítulo, o quarto do Gênesis, o que significa centenas de anos antes de Abraão. Adicionalmente, os antigos tentaram preservar, de geração em geração, a memória de seus grandes ancestrais, cabeças das famílias, e construiu tumbas e monumentos similares em sua memória. Depois de uma descrição detalhada do Dilúvio, o livro de Gênesis retorna à sua história genealógica, englobando novamente cerca de dois mil anos e novamente de forma lacônica. Ele engloba as datas de um modo exato, desconhecido para nós, enumerando os cabeças das gerações até Abraão. Esses relatos são interrompidos apenas por dois fatos: o dilúvio de Noé e seus filhos e a construção da Torre de Babel e dispersão das nações.

Se Moisés parou de detalher sobre o dilúvio foi porque obviamente tinha motivos para isso. A base principal foi a tradição do Dilúvio dos Hebreus daquele tempo. Eles levaram o relato ao Egito e o preservaram consigo, enquanto os monumentos do antigo Egito não foram preservados, evidentemente foram perdidos. Então, isto veio à luz nos monumentos escritos mesopotâmicos (sumérios, não hebreus) da biblioteca de Assurbanipal. Isto concorda com o fato básico de que a memória do evento ainda existe na Mesopotâmia. Levando em conta o espírito da antiguidade, pode afirmar que Moisés usou as expressões "todas as terras," "todos os tipos de animais" no texto bíblico foram usadas como de costume, ao tempo que o conceito de "o mundo" era limitado na região em que viviam e que os olhos podiam vislumbrar. Podemos, portanto, usar as palavras "tudo", "todos", em um sentido relativo. Mesmo no tempo do Império Romano e no início do Cristianismo, a palavra "universo" refere-se a parte da terra que foi explorada e era conhecida pelos anciãos. Contudo, essa é apenas uma parte das muitas possibilidades na questão do Dilúvio.

Moisés tinha, em seu relato três pontos os quais expõe por toda a Bíblia: a) o mundo é sujeito à vontade de Deus; b) os desastres nacionaisresultam da impiedade do homem; e c) uma tribo (ou nação) foi escolhida para preservar a verdade.

O relato da origem única da linguagem, da Torre de Babel e da dispersão dos povos é outro detalhe dentro do esquema de genealogias. A existência da Torre de Babel é confirmada pela arqueologia contemporânea!

Quando chega o tempo de Abraão, o livro do Gênesis inicia um relato contínuo. A história dos Hebreus começa deste ponto e continua até o fim do Gênesis e então aos quatro livros do Pentateuco, no ciclo dos livros históricos do Antigo Testamento e, em parte, até os livros dos profetas. Ele continua sem interrupção até o fim, por volta dos tempos do Novo Testamento.

A arqueologia provê um rico material paralelo à história bíblica que começa no tempo de Abrão. Algumas décadas antes, o criticismo bíblico liberal formulou uma teoria de que o livro do Gênesis constitui uma coleção de lendas piedosas. No entanto, agora, a arqueologia toma o Gênesis seriamente já que várias descobertas confirmam os relatos bíblicos. Eles provaram a grande antiguidade dos nomes e dos costumes referidos por Moisés, como o próprio nome de Abraão (Abram-ram) e Jacó (Iakov-EI) que são nomes pessoais encontrados na antiga Mesopotâmia. Há uma conexão entre os nomes dos ancestrais de Abraão e seus parentes e ancestrais e os nomes das cidades, pois elas foram nomeadas depois de seus fundadores. Estes nomes, por sua vez. Passaram das cidades às pessoas que vieram delas. Portanto, nos nomes das cidades, entramos os seguintes nomes: Tharrha (pai de Abraão), Seruch) tio de Tharrha), Phaleg (um de seus ancestrais), Nachor, Arrhan (irmãos de Abraão - Charrhan era a região da Mesopotâmia da qual eles vieram). Observando a moral e os costumes do tempo, as chamadas "tábuas de Nusa", encontradas na Mesopotâmia, trouxe alguma luz aos fatos da adoção de Abraão ao "seu servo nascido em casa", Elizeu, antes que Isaac nascesse, a venda do direito de berço de Esaú, as bênçãos do Patriarca antes da morte, a história do Teraphins (os ídolos que Rachel trouxe da casa de seu pai Labão; Escritos op. cit, p. 41-3).

É claro que períodos mais tardios nos deram mais materiais arqueológicos. Se há alguma dificuldade em fazer que alguns detalhes concordem, isso é natural. O título de um livro em alemão sobre este tema, Apesar de tudo, a Bíblia ainda é verdadeira, expressa a nossa conclusão geral, como o faz a nota do arqueologista bíblico americano: "Não há dúvida de que a arqueologia confirma a essência naturalmente história do Antigo Testamento e sua tradição" (Albright, p. 176).

Os livros históricos do Antigo Testamento, como o Pentateuco de Moisés, propõem o conceito de relação causal entre a piedade e prosperidade popular. Em outras palavras, eles mostram que os desastres nacionais são geralmente trazidos pela apostasia da fé e pelo declínio moral. Portanto, a história sagrada do Antigo Testamento permanece muito instrutiva para todas, mesmo na era Cristã. Em seus serviços, a Igreja indica quantos eventos desta história são exemplos para nós. Nas séries de livros históricos, há alguns nos quais os elementos hebraicos substituem os elementos puramente religiosos ao fundo, como os livros de Ester e de Judite. A Igreja não usa tais livros em seus serviços embora, é claro, eles ainda permanecem edificantes. Portanto, o material histórico do Antigo Testamento, por si só, não é importante para nós, porque as coisas velhas passaram (2 Cor 5:17), mas a sua importância se baseia em seu conteúdo edificante.

Em seus relatos históricos, o profeta Moisés e os escritores sagrados que o seguiram falaram em muitas manifestações do poder de Deus, de fenômenos miraculosos. Mas, raramente eles fazem uso do termo "milagre" ou "maravilha" (embora nos Salmos o encontramos freqüentemente). Eles introduzem em nós a idéia de que toda a história se dá ante os olhos de Deus e de que tudo consiste de eventos que podem ser divididos em comuns e incomuns na natureza dos miraculosos. Para a alma crente, os eventos abertamente miraculosos são apenas uma abertura no véu atrás do qual a Providência milagrosa de Deus continua e a escritura do destino de cada homem é relatada sem omissão.

13. Sabedoria do Antigo Testamento

Os livros didáticos constituem o terceiro grupo de escritos do Antigo Testamento. Eles ensinam ao homem a organizar a sua vida terra e pessoal de tal forma que seja abençoado por Deus e pelo homem e que tenha prosperidade e paz na alma. A sabedoria que provém de Deus confere tal vida.

Quando Salomão começou seu reinado, ofereceu suas orações e seus sacrifícios de fogo. Deus apareceu a ele à noite e disse-lhe: peça-me o que desejas (1 Reis 3:5). E Salomão pediu apenas sabedoria e conhecimento, para poder governar o podo de Deus. E Deus disse a Salomão: Já que me fizeste esse pedido e não solicitaste nem longa vida, nem riqueza, nem a morte de teus inimigos mas sim o discernimento com retidão, pois bem, vou agir segundo tuas palavras: dou-te um coração sábio e perspicaz, de modo que não houve igual antes de ti, nem haverá depois (I Reis 3:11-13).

Os livros didáticos são cheios de conselhos práticos sobre como estabelecer a vida e família de modo inteligente e sábio, com temor a Deus, em retidão, honestidade, trabalho e abstinência e como ser um participante útil na sociedade. Esses preceitos são extremamente instrutivos e verdadeiros. Na sua expressão há muitas coisas imaginárias, vivazes e sábias e encontram-se, é claro, regras de acordo com as necessidades daqueles tempos distantes, os quais tinham costumes estranhos ao nosso. Costumes para a vida do dia a dia constituem a característica dos sábios ensinamentos do Antigo Testamento.

No entanto, deveria ser um erro pensar que a sabedoria Bíblica é a sabedoria da prosperidade terrena. A Bíblia vê a sabedoria na devoção humilde a Deus e nos sofrimentos mais severos, no seu reconhecimento da natureza dos meios de Deus quando se sofre inocentemente. Nu saí do ventre da minha mãe, nu para lá hei de voltar. O Senhor deu, o Senhor tirou. Bendito seja o nome do Senhor... E a desgraça? Por que não a aceitaríamos (Jó 1:21; 2:10). Esta é a visão do justo Jó, mas não há real sabedoria na lógica dialética de seus amigos, que consideram entender os pensamentos de Deus. Em seus argumentos, que podem ser chamados de racionalismo baseado em um fundamento religioso, eles são chamados a pedir perdão a Deus através de Jacó.

No entanto, a atração pela prosperidade, saúde, sucesso ou glória é insensata, de acordo com a Sabedoria de Salomão. A morte espera a todos e ela aparecerá a tudo que estiver exposto, apenas vaidade "vaidade das vaidades, tudo é vaidade". (Ecl 1:2).

Há algo mais elevado, mais valioso, mais digno de louvores, que vem da sabedoria. É o esforço para conhecer as palavras de Deus, para estudar a natureza e, finalmente, esforçar-se para obter o verdadeiro conhecimento: Ensinou-me a estrutura do universo e a atividade dos elementos, o começo, o fim e o meio dos tempos, as alternâncias dos solstícios e as mudanças das estações, os ciclos do ano e as posições dos astros, as naturezas dos animais e os instintos das feras, os impulsos violentos dos espíritos e os pensamentos dos homens e as variedades das plantas e as propriedades das raízes... Deseja-se ainda aproveitar uma longa experiência? Ela conhece o passado e prognostica o futuro, sabe interpretar as sentenças e resolver os enigmas, prevê sinais e prodígios... Ama a retidão? As virtudes são o fruto de seus trabalhos, pois ela ensina moderação e prudência, justiça e coragem e não há nada mais de útil aos homens da vida (Sb 7:17-20; 8:8; 8:7). Aqui há uma descrição da sabedoria e de seus vários ramos.

Possuir tal sabedoria não é um mérito pessoal, é um presente de Deus. Eu rezei, testifica o autor da Sabedoria de Salomão, pois a sabedoria, artífice do universo, me ensinou. Nela há um espírito inteligente, santo, único, múltiplo, sutil móvel, distinto, sem mancha, claro, inalterável, amante do bem, diligente. Ela é um reflexo da luz eterna, espelho sem mancha da atividade de Deus e imagem da sua bondade. Como ela é única, pode tudo, permanecendo em si mesma, renova o universo e, ao longo dos tempos, passa nas almas santas, para formar amigos de Deus e profetas. Pois são amados de Deus somente os que privam da intimidade da sabedoria (Sb 7:22-23; 26-28).

Não nos surpreende que tão perfeita imagem da sabedoria, como é dada nos livros didáticos do Antigo Testamento, chama a atenção do cristão, especialmente nas passagens em que ela é representada como sentada ao lado de Deus. Antes que surgissem as montanhas, antes das colinas, eu fui gerada, antes que Ele fizesse a terra e os espaços e o conjunto das moléculas do mundo. Eu estava lá, quando Ele firmou os céus, quando gravou um círculo ao redor do abismo, quando adensou a massa das nuvens do alto e quando as fontes do abismo mostravam a sua violência, quando Ele impôs ao mar seu decreto e quando traçou os fundamentos da terra. Ao seu lado, estava eu, qual mestre de obras, objeto de suas delícias, dia a dia, brincando o tempo todo em sua presença, brincando em seu orbe terrestre, junto à humanidade acho meus encantos. Pois quem me encontra encontrou a vida e alcançou o fervor do Senhor (Pr. 8:27-31; 35).

Aqui a Sabedoria é personificada como um ser divino e há outras passagens similares sobre a Sabedoria. Sob a influência desta imagem, a filosofia religiosa cristã da antiguidade, da Idade Média e em tempos mais recentes aumentou a atenção do pensamento teológico de que a Sabedoria aqui se refere a uma força divina, pessoal ou não criada, talvez a alma do mundo, a "Sabedoria Divina". De acordo com o pensamento religioso russo, a doutrina da Sabedoria tem sido aceita e desenvolvida por Vladimir S. Soloviev, Fr Paul Florensky e o Arcebispo Sergei Bulgakov. Deve-se perceber, contudo, que esses pensadores desenvolveram suas opiniões baseadas somente em suas pressuposições filosóficas. Tentando justificá-las pela Escritura, eles não deram muita atenção a conceitos abstratos que eram um esquema comum no Antigo Testamento. O autor do livro dos Provérbios avisa sobre isso, enquanto ao ler o livro é necessário entender uma parábola, uma palavra figurada, das máximas dos sábios e dos seus enigmas (Pr. 1:5-6) e não entender expressões figurativas literalmente.

Nessas passagens em que a Sabedoria é descrita de uma forma especialmente vívida, como um ser pessoal, o Novo Testamento aceita a sua referência como o Filho de Deus, Jesus Cristo, o poder de Deus e a sabedoria de Deus, como vemos em São Paulo (1 Cor 1:24). Tal interpretação é dada,por exemplo, na passagem de Provérbios que é freqüentemente lida na Igreja durante as Vésperas, e que começa a Sabedoria construiu uma casa para si mesmo, e feita sobre sete pilares (Pr 9:1-6). Portanto, o autor sagrado transfere nossos pensamentos diretamente para o Novo Testamento, para a pregação do Evangelho, para o mistério da Eucaristia e a organização da Igreja de Cristo; aqui o Antigo Testamento é o limiar do Novo.

14. Orações e Salmos do Antigo Testamento

Dentre os livros didáticos, há um livro especial, o livro das orações. Qual cristão, não apenas os ortodoxos, mas de qualquer confissão ou seita, não conhece o Saltério, ou ao menos o Salmo Penitencial? Aqui está um livro para todos, para a oração em todas as suas formas, para todas as ocasiões, no pesar, nos tempos de desesperança e desespero, no medo, ao estar cercado de inimigos, circundado pela descrença e pelo crime, dores pessoais e desastres comunitários, para lágrimas de arrependimento após a queda e a alegria de receber a consolação, quando o sentimento reverente exulta, a necessidade de agradecimento, ser testemunha de fé de alguém, aumentar a esperança de alguém e elevar a prece pura a Deus quando contemplar a grandeza e beleza de sua criação. Nos Salmos, há muitos pensamentos direcionados à alma de cada um, muitos conselhos e muitas palavras de consolação. Portanto, o excepcionalmente extenso uso dos Salmos na Igreja de Cristo não é surpreendente. Alguns dos salmos são lidos vários dias durante o curso de um dia de serviços divinos. Além disso, o Saltério inteiro é lido na Igreja na forma de kathismata não menos do que uma vez por semana. Finalmente, todos os serviços Ortodoxos têm versos individuais dos salmos espalhados na forma de prokeimenon, versos de aleluia, versos de "O Senhor é Deus" e outras formas de petição, arrependimento e louvor. As preces cristãs retratadas no Novo Testamento contém, muitas vezes, expressões dos Salmos.

O Saltério é cristianizado no pleno sentido da palavra. Isto significa que a Igreja coloca um significado cristão em todas as suas expressões, e o Antigo Testamento retrata isso no seu fundo. A palavra "ascendeu" e "suba, ó Senhor", direciona nosso pensamento à Ressurreição de Cristo; as palavras de cativeiro são entendidas no sentido de cativeiro pelo pecado; o nome dos povos hostis a Israel, como inimigos espirituais; o massacre de nossos inimigos como um apelo para batalhar contra as paixões; a salvação do Egito e da Babilônica como a salvação de Cristo contra a idolatria. Em quase todos os versos dos Salmos a Igreja encontra uma reflexão do Novo Testamento e em alguns eventos ou pensamentos, confissões ou fé, esperança ou amor. Citando versos dos Salmos no Novo Testamento, mesmo os Apóstolos, em seus escritos, nos ensinaram a considerá-lo dessa forma.

Alguns salmos contêm expressões e mesmo grupos de versos que não são claros, nem mesmo no texto eslavônico, mas inclusive nas suas línguas antigas, no hebreu original e na tradução grega, mas perto deles há versos que são brilhantemente expressivos. Há muitos salmos completamente claros e que expressam belamente os estados de nossa alma, e os expressam tão intensamente na prece como se fossem divinamente inspirados e compostos não em um tempo distante, mas em nosso tempo, para nós.

Finalmente, há um livro dentre os didáticos que fala não apenas de sabedoria, mas de amor. É o Cântico dos Cânticos, sobre a Noiva e o seu Amado. À primeira impressão, esse livro parece apenas uma bela canção lírica. Muitos comentaristas liberais, que não são apoiados pela voz dos Pais da Igreja, o interpretam justamente desta forma. Contudo, como lemos nos Profetas vemos que, no Antigo Testamento a imagem da Noiva e de seu Amado é usada em sentido elevado para ilustrar o pacto entre Deus e o seu Povo eleito. Se este livro entrou no cânon dos livros Israelitas sagrados, foi por ser compreendido em um sentido elevado e simbólico pela tradição do Antigo Testamento. No Novo Testamento, sem usar a forma poética, São Paulo usa o mesmo símbolo ao falar do amor do esposo por sua esposa, comparando-o com o amor de Cristo por sua Igreja. Nos hinos da Igreja freqüentemente ouvimos a mesma imagem da noiva e seu esposo como o símbolo do amor ardente da alma do cristão por seu Salvador: "O Cordeiro, Jesus, gritou em alta voz: Eu os desejo, ó minha noiva, e suportarei sofrimentos em sua busca"... cantamos no hino litúrgico para mártires femininos. Uma expressão similar do amor de uma alma por Cristo é encontrada nos escritos dos ascetas cristãos.

15. Proclamadores do Novo Testamento

A queda dos Reinos de Israel e Judá, especialmente, a destruição de Jerusalém e a sua captura pela Babilônia, foram os mais terríveis golpes contra o povo judeu. Este foi o julgamento de Deus sobre (...) proclamações e livros proféticos que compreendem o último grupo dos livros do Antigo Testamento. Os relatos dos Profetas precedem os últimos golpes que selam o destino dos Hebreus (...) Observam suas Desgraça! Nação pecadora, povo carregado de crimes raça de malfeitores (...)

E quando veio o desastre e a captura da Babilônia não estava longe não havia mais consolação e aqueles mesmos profetas tornaram-se o suporte do povo.

Confortai, confortai o meu povo, diz vosso Deus, falai ao coração de Jerusalém e proclamai ao seu respeito que a sua corvéia está cumprida, que o seu castigo está saldado, que ela recebeu da mão do Senhor duas vezes a paga de todas as suas falha. Sobe a uma alta montanha, tu Sião, alegre mensageira, levanta com energia a tua voz, Jerusalém, alegre mensageira, levanta-a, não tenhas medo, dize às cidades de Judá: "Eis o vosso Deus, eis o Senhor Deus. Com vigor ele vem e seu braço lhe assegurará a soberania, eis com ele o seu salário e diante dele a sua recompensa. Como um pastor, ele apascenta o seu rebanho, com seu braço ele congrega, ele carrega ao colo os cordeirinhos e conduz a lugar fresco as ovelhas que amamentam (Is 40:1-2, 9-11).

(...) A noite irá passar, a ira de Deus irá passar. Que rejubile, o deserto e a terra árida, que a estepe exulte e floresça, que ela se cubra com as flores dos campos, que ela salte e dance e grite de alegria! A glória do Líbano lhe é dada, o esplendor do Carmelo e do Sharon e se verá a glória do Senhor o esplendor do nosso Deus. Fortalecei as mãos fatigadas, firmais os joelhos cambaleantes, dizei àqueles que estão conturbados: sedes fortes não tenham medo, Eis o vosso Deus, é a vingança que vem, a retribuição de Deus, Ele mesmo vem salvar-vos. Então, o coxo saltará como um cervo e a boca do mudo gritará de alegria. Voltarão os que o Senhor resgatou, chegarão a Sião com gritos de alegria, em seus rostos, alegria sem limite! Júbilo e alegria virão ao encontro deles, tristeza e lamentação fugirão. (Is 35:1-6; 10).

O que especialmente inspira os profetas com esperanças brilhantes nestas distantes visões do futuro? É pensamento político do seu povo, suas vitórias e triunfos que podem ser antevistos? Ou é a visão da plenitude, da riqueza e abundância do futuro apresentado a eles? Não, não é esse o objeto de prosperidade material ou orgulho nacional que atrai a sua atenção. Poderiam ser esses santos, que resignaram a si mesmos a uma vida de sofrimento e, algumas vezes, a uma morte de martírio (o Profeta Isaías foi serrado ao meio com uma serra de madeira) o que realmente inspira essas pessoas e todos os seus desejos terrenos? Eles estão contemplando outra revelação de Deus: um renascimento espiritual sem precedentes, tempos de justiça e tempos de verdade, mansidão e paz, quando todas as palavras são preenchidas com o conhecimento de Deus (Is 11:9).

Eles proclamaram a vinda do Novo Testamento.

Eis, pois, a aliança que firmarei com a comunidade de Israel depois desses dias - oráculo do Senhor -: eu depositarei minha instrução no seu íntimo, inscrevendo-a em seu coração: eu me tornarei Deus para eles e eles se tornarão um povo para mim. Já não ensinarão uns aos outros, cada um a seu irmão, repetindo "aprendi a conhecer o Senhor! Pois todos, pequenos e grandes, me conhecerão - oráculo do Senhor. Eu perdôo o seu crime, não mencionarei mais a sua falta (Jr 31: 33-34).

Isto foi profetizado por Jeremias.

O mesmo é proclamado por Ezequiel.

Eu vos darei um coração novo e porei em vós um espírito novo, tirarei de vosso corpo o coração de pedra e vos darei um coração de carne. Infundirei em vós o meu espírito e vos farei caminhar segundo as minhas leis, guardar e praticar os meus costumes (Ez 36:26-27).

O profeta fala muito sobre as outras nações, os inimigos de Israel, os povos pagãos, que eram apenas instrumentos da ira de Deus e da punição de Israel. Eles irão receber a taça da cólera. Mas a benção futura de Israel será uma luz para eles também. Nesse dia, haverá uma raiz de Jessé, e ele se levantará para governar sobre todas as nações, e nele esperarão e seu resto será uma recompensa, prediz Isaías 11:10.

O preenchimento dessas esperanças é ligado com a promessa mística de conceber Israel em um reino eterno.

Meu servo Davi reinará sobre todos eles, pastor único para todos eles; caminharão segundo os meus costumes, guardarão as minhas leis e as observarão (Ez 37:24-26).

Ao consolar seus contemporâneos, os Profetas direcionam a atenção ao seu futuro Rei. Eles apresentam a sua imagem antes deles, na luz da obediência, gentileza, humildade, retidão.

Eis que o meu servo que eu apoio, o meu eleito, ao qual a minha alma quer bem - pus sobre ele o meu espírito, para as nações ele fará surgir o julgamento. Não gritará, não levantará o tom, não fará ouvir na rua o seu clamor, não quebrará o caniço rachado, não apagará a mecha que ainda fumega, com certeza fará surgir o julgamento (Is 42:1-3).

Em tais palavras similares, os Profetas descrevem a vinda do Salvador do mundo. Antes de nós, disseminadas por várias passagens dos escritos dos Profetas, mas abundantes quando reunidas, há uma descrição dos eventos futuros do Evangelho e um retrato do próprio Senhor Jesus Cristo.

Aqui, em Isaías, há uma referência a Galiléia, o lugar em que o Salvador primeiramente residiu na terra e apareceu às pessoas:

O povo que caminhava nas trevas viu uma grande luz. Sobre aqueles que habitavam a terra da sombra, uma luz resplandece. Multiplicaste a sua alegria, aumentaste o seu júbilo. Eles rejubilam diante de ti, como na alegria da colheita, como a gente que se alegra na repartição do despojo. Estende-se a soberania e haverá paz sem fim para o trono de Davi e para a sua realeza, que ele estabelecerá e firmará sobre o direito e a justiça desde agora e para sempre - o ciúme do Senhor de todo poder fará isto (Is 9:1-2, 6).

Aqui está a referência à glorificação do Senhor em Jerusalém:

Põe de pé e torna-te luz, pois está chegando a tua luz: a glória do Senhor se levantou sobre ti. Eis, as trevas cobrem a terra e um nevoeiro, as populações, mas sobre Ti, Senhor vai levantar-se e a sua glória, sobre ti é avistada. As nações vão caminhar para a tua luz e os reis, para a claridade da tua aurora (Is 60:1-3).

Aqui está a profecia sobre Cristo do mesmo profeta, que o próprio Cristo usa na Sinagoga de Nazaré para começar a sua pregação:

O Espírito do Senhor Deus está sobre mim. O Senhor fez de mim um messias, ele me enviou a levar a alegre mensagem aos humilhados, medicar os que têm o coração confrangido, proclamar aos cativos a liberdade e aos prisioneiros a abertura do cárcere, proclamar o ano do favor do Senhor, o dia da vindica do nosso Deus, confortar todos os enlutados (Is 61:1-2).

O profeta previu que o Salvador não seria reconhecido ou aceito pelos líderes do povo Judeu ou pelas pessoas que o seguiam? Sim, ele faz uma referência oblíqua sobre isso na descrição dos sofrimentos de Cristo que ele escreve no capítulo 35 de seu livro, que é uma das maiores profecias, se não a maior de todas:

Desperta, desperta, veste-te de poder, ó sião, veste as tuas vestes de esplendor, cidade da santidade, pois a partir de agora o incircunciso, o impuro, não encontrará mais como voltar a ti. Sacode de ti a poeira e te põe de pé, tu, a cativa, Jerusalém, faze saltar as amarras do teu pescoço, tu, a cativa, Jerusalém, faze saltar as amarras do teu pescoço, tu a cativa, a filha de Sião. Sim, assim fala o Senhor, gratuitamente fostes vendidos, sem dinheiro fostes resgatados! Sim, assim fala o Senhor Deus: no início, foi ao Egito que o meu povo desceu em migração: no fim, foi Assur que o submeteu à extorsão; e agora aqui, que é que eu recolho-oráculo do Senhor-pois meu povo foi arrebatado gratuitamente, seus déspotas urram-oráculo do Senhor- e sem cessar, o dia inteiro, meu nome é injuriado. Por isso meu povo vai conhecer qual é o meu nome, por isso, neste dia, ele vai conhecer que eu sou aquele que afirma "Aqui estou".Como são bem vindos por sobre as montanhas os passos do mensageiro que nos faz ouvir a paz, que traz uma mensagem de bem, que nos faz ouvir a salvação, que diz a Sião "Teu Deus reina!" Voz dos teus vigias, Eles levantam a sua voz, juntos soltam uma aclamação, pois, olhos nos olhos, eles vêem o Senhor voltando a Sião (Is 53:1-9).

A narrativa do Evangelho testifica que o povo Judeu não reconheceu o tempo de sua visitação. Contudo, não podemos dizer que as profecias de consolação não foram completadas. Ninguém pode tirar-lhes que de sua raça veio a santa Virgem Maria, que Jesus Cristo tinha a semente de Davi, de que os apóstolos de Jesus eram das mesmas pessoas e que Jerusalém se tornou por todos os tempos o lugar de glória do Cristo Ressuscitado. De Jerusalém, a pregação do Evangelho publicamente para todo o mundo e para a ela a Igreja cantava:

Rejubile-se, Santa Sião, a mãe das igrejas, e lugar da moradia de Deus: para ti foi dado receber primeiro a remissão dos pecados até a Ressurreição" (Octoechos, Tone 8, Sun. Sticheron on "Lord, I have cried").

Uma explicação completa do fato de que foram principalmente as nações pagãs que entraram na Igreja de Cristo e que a maioria dos Judeus permaneceu descrente é dada a nós no Novo Testamento pelo apóstolo Paulo. Em seus escritos, encontramos uma exaustiva interpretação das profecias do Antigo Testamento em relação a isso. O apóstolo diz:

"E direis que se Deus, querendo mostrar toda a sua ira, e dar a conhecer o seu poder,suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para a perdição, para que também desse a conhecer as riquezas da sua glória nos vasos de misericórdia, que de antemão preparou para a sua glória, os quais somos nós, a quem também chamou,não só dentre os judeus mas também dentre os gentios? Como ele diz também em Oséias: chamarei meu povo ao que não era meu povo e amada à que não era amada. E sucederá no lugar que lhes foi dito: Vós não sois meu povo, serão chamados filhos do Deus vivo. Que diremos pois? Que os gentios, que não buscavam a justiça, alcançaram a justiça, mas a justiça vem da fé. Mas Israel,buscando a lei da justiça não atingiu esta lei. Por que? Porque não a buscavam pela fé, mas como que pelas obras e tropeçavam na pedra de tropeço, como está escrito: Eis que eu ponho em Sião uma pedra de tropeço e uma rocha de escândalo e quem nela crer não será confundido. Mas pergunto: porventura não ouviram? Sim, por certo, por toda a terra saiu a? voz deles e suas palavras até os confins do mundo. Mas pergunto ainda: porventura Israel não o soube?Primeiro diz Moisés: eu vos porei ciúmes com aqueles que não são povo, com um povo insensato provocarei a sua ira. E Isaías ousou dizer. Fui achado pelos que não me buscavam, manifestei-me aos que por mim não perguntavam. Quanto a Israel, porém diz: todo o dia estendi as minhas mãos a um povo rebelde e contradizente" (Rm 9:22-27; 30-33; 10:18-21).

Este poderia ser um destino muito forte e uma sentença muito estrita para o velho povo escolhido. Mas o próprio apóstolo Paulo tornou-se um confortador desse povo dizendo:

Porque não quero, irmãos, que ignoreis este mistério (para que não presumais de vós mesmos): que o endurecimento veio em parte sobre Israel até que a plenitude dos gentios haja entrado; e assim Israel todo será salvo, como está escrito: virá de Sião o Libertador, e desviarão de Jacó as impiedades. Porque Deus encerrou a todos debaixo da desobediência, a fim de usar a misericórdia com todos, Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos e quão inescrutáveis os seus caminhos!" (Rom. 11:25-26; 32-33).

16. A herança da Igreja

"A sombra da lei passou e a graça veio" (Octoechos, Dogmatic Theotokion do segundo volume). A palidez antes da Verdade, as sombras que vêm justamente antes da alvorada são dispersas quando o sol brilha forte. Não há mais sacrifícios do Antigo Testamento; não apenas no sentido que eles perderam os seu significado, mas que eles não existem nem fisicamente. Não há tabernáculo, não há templo do Antigo Testamento em Jerusalém, os Judeus não têm sumo sacerdote ou sacerdócio de acordo com a Lei.

O Reino de Cristo chegou. E o núcleo da lei do Antigo Testamento - os Dez Mandamentos de Deus, que foram dados no Monte Sinai, deram seu lugar aos mandamentos que foram proclamados em outra montanha, as Beatitudes do Sermão da Montanha. Dois antigos mandamentos permanecem inalterados: o que se relacionam a amar a Deus de todo o coração, de toda a alma e de toda a mente e o outro relacionado a amar o seu próximo como a si mesmo. Eles constituem a essência do Antigo Testamento: o Salvador disse que toda a Lei e os Profetas foram baseados nele. Mas, relacionando o amor ao próximo, o Senhor deu-nos um novo, mais exaltado mandamento, ordenando-nos amar aos outros como a nós mesmos. Isto constitui a ideologia do Antigo Testamento: o salvador disse que a Lei e os Profetas estavam baseados nele. Mas, relacionando o amor ao próximo, o Salvador deu-nos um novo e mais exaltado mandamento, durante o seu discurso de partida com os discípulos: Eu lhes deixo um novo mandamento, que devem amar-se uns aos outros, como eu os amei. Não há amor maior do que este, do que dar a vida por seus amigos. Aqui o mandamento prévio não foi abolido, mas exaltado pelo conceito de autonegação, um amor que é amor do que o amor próprio.

Na Mística Ceia, o Senhor revelou a verdade mística do estabelecimento do Novo Testamento: este é o cálice do meu sangue. Contudo, o Antigo Testamento permanece o fundamente da Igreja de Cristo que sobe aos céus. As pedras fundamentais dessa fundação são os livros do Antigo Testamento. Eles contêm grandes profecias sobre Cristo e um número ilimitado de reflexões do Novo Testamento. Neles, podemos ouvir grandes chamamentos ao arrependimento, suavidade e misericórdia, que são mais tarde proclamados em toda a sua força e profundidade na pregação do Evangelho. Neles, encontramos exemplos de piedade e uma abundância de edificação moral. Verdades eternas sobre Deus, o mundo, o homem, o pecado, sobre a necessidade da redenção e sobre a vinda do esperado Redentor revelado à humanidade.

Iluminado pela luz do Evangelho, e com esse pleno significado revelado pela Igreja do Novo Testamento, a Bíblia do Antigo Testamento permanece como uma parte inseparável da herança da Cristandade.

Missionary Leaflet # P82
Copyright © 2001 Holy Trinity Orthodox Mission
466 Foothill Blvd, Box 397, La Canada, Ca 91011
Editor: Bishop Alexander (Mileant)

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